Epoca Negocios

REDES DE ROBÔS

A REVOLUÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL SOBRE A PRODUÇÃO DE CONTEÚDO JÁ CHEGOU. EM BREVE ELA ESTARÁ NO SEU DIA A DIA

RAFAEL KENSKI*

Imagina que você voltou para 1996 e, chegando lá, alguém pergunta qual seria o impacto da internet nas compras. A resposta talvez fosse na linha “ah, muitas serão feitas online”, mas seria preciso um esforço enorme para explicar um complexo ecossistema que vai de anúncios no Instagram acionados por assuntos conversados no Whatsapp a diversos tipos de compras, assinaturas ou atendimento ao consumidor via redes sociais. É algo parecido com tentar, hoje, explicar como serão as redes sociais depois dos avanços mais recentes da inteligência artificial. Em resumo, a resposta é “tudo vai envolver, em maior ou menor grau, algum robô”, mas essa descrição não inclui o impacto colossal da IA em praticamente todo tipo de conteúdo. Desde 2021, vimos a ascensão da “inteligência artificial generativa” – robôs capazes de criar textos, fotos e obras de arte inéditos. Começou com sistemas que liam inúmeros textos na internet, em livros e em códigos de computador, extraíam padrões e depois conseguiam gerar parágrafos inteiros por conta própria. Os investimentos no setor explodiram. Segundo o site CB Insights, US$ 2,6 bilhões foram investidos em 110 negociações envolvendo startups de IA generativa, e seis empresas do setor já estão avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.

Até seis meses atrás, o texto que os robôs produziam incluía muito nonsense – segundo o termo usado pelos cientistas, eles “alucinavam”. Você poderia perguntar quando Santos Dumont descobriu o Brasil e ele contaria em detalhes esse capítulo da nossa história. Mas ajustes recentes diminuíram as alucinações e deram origem a sistemas que até mesmo superam humanos em diversas tarefas. Como resultado, a evolução dessas tecnologias tem sido tão rápida que mesmo algumas soluções lançadas nos primeiros dias de 2023 já ficaram obsoletas. O maior avanço recente foi torná-los fáceis de usar. No final de novembro, a empresa Openai lançou o CHATGPT, uma versão de modelos anteriores calibrada para funcionar como uma conversa. Faça uma pergunta ou sugira um tema e ela responde com informações frequentemente corretas, em diversos formatos possíveis, como artigos, relatórios, e-mails, roteiros de cinema ou códigos de computador. O sucesso imediato – o CHATGPT alcançou a marca de 1 milhão de usuários em apenas cinco dias, algo que demorou 2,5 meses para o Instagram e dez meses para o Facebook – levou até à especulação de que o CHATGPT poderia em breve derrubar a hegemonia do Google entre os buscadores de internet. Em vez de trazer apenas uma lista de links em qualquer

busca, ele poderia já formatar uma resposta completa. É cedo para saber a proporção dessa ameaça. O CHATGPT está longe de eliminar completamente as alucinações. Mas o investimento multibilionário da Microsoft na Openai – estima-se que tenha chegado a US$ 10 bilhões –, ocorrido ao longo de janeiro, é um sinal de que planos nesse sentido estão acelerados. Em paralelo, outros grandes sistemas foram treinados não só em textos, mas também em imagens. O Dall-e (também da Openai), o Stable Diffusion (da Stability.ai) e o Midjourney (de uma startup de mesmo nome) permitem que se criem desenhos, pinturas, fotos e qualquer outro tipo de imagem a partir de uma descrição. Também já existem experimentos avançados para, com um comando de texto, gerar sons, músicas, vídeos e modelos 3D. É bem provável que, em alguns anos, você consiga transformar uma música em um vídeo, criar um ambiente virtual a partir de uma única imagem ou transformar um texto em música.

Para os usuários de redes sociais, é o caminho para produzir uma quantidade muito maior de conteúdos, mais elaborados. Não é mais preciso fazer um post do começo ao fim: basta ter um fiapo de ideia e deixar que os robôs completem com legendas, fotos, histórias em quadrinhos ou vídeos. Você talvez não precise nem se dar ao trabalho de postar nada. Com a tecnologia que já existe, seria possível construir uma rede social que, a partir dos seus dados, treina um robô que cria automaticamente posts com o seu estilo, e conversa com o robô dos seus amigos.

Mas a grande revolução talvez esteja no modelo de negócios das redes sociais: a publicidade. A promessa das plataformas para os anunciantes sempre foi a de segmentar ao máximo a audiência. Com a IA generativa, é possível criar apenas uma diretriz geral da ação e deixar que os robôs adaptem para qualquer língua, sotaque, estilo ou interesse. Juntando as tecnologias que estão surgindo, você poderia criar uma mensagem em vídeo diferente para cada pessoa, e até permitir que ela converse e tire dúvidas com o próprio anúncio. Por outro lado, existe o risco do aumento de spams e golpes online, ou campanhas de fake news tão ou mais bem produzidas quanto o jornalismo tradicional. Já existem sistemas capazes de detectar textos gerados por IA com bastante precisão, mas não é tão difícil imaginar outros capazes de driblar esse rastreamento.

Mudanças igualmente radicais são esperadas no trabalho de especialistas, escritores, artistas, jornalistas – que não perderão o emprego, mas provavelmente terão que incorporar IA em seus processos. O que será considerado um conteúdo interessante quando máquinas tiverem a capacidade de produzir algo parecido com o que fazemos hoje? E que inovações surgirão quando tivermos um sistema que escreve, desenha, programa e conversa com habilidade a qualquer momento? É difícil saber – é como tentar explicar o que é o trabalho de um “analista de social media” para alguém em 1996. A diferença é que, dessa vez, não estamos falando do futuro, mas sim de tecnologias que já existem e de mudanças que acontecerão ao longo dos próximos meses.

CAPA INOVAÇÃO

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2023-02-03T08:00:00.0000000Z

2023-02-03T08:00:00.0000000Z

https://epocanegocios.pressreader.com/article/282643216700533

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