Epoca Negocios

Mark Zuckerberg não é o único a acreditar que todos entraremos num universo paralelo

O CAMINHO ATÉ O METAVERSO JÁ COMEÇOU A SER CONSTRUÍDO ENTRE OS GAMERS, E MARK ZUCKERBERG NÃO É O ÚNICO A ACREDITAR QUE TODOS ESTAREMOS NESSE UNIVERSO PARALELO

DANIEL SALLES

NO METAVERSO, o avatar de Mark Zuckerberg pode estar pulando de alegria. No mundo real, o CEO da Meta amarga dias intranquilos desde que resolveu apostar boa parte das fichas no tal universo digital e imersivo. A obsessão ajudou a ampliar o ceticismo de investidores impacientes. O valor de mercado da companhia, que chegou a bater o patamar de US$ 1 trilhão, derreteu a menos da metade desse valor nos últimos 12 meses. Para o mercado, o receio é que o empresário esteja dando atenção demais ao metaverso e deixando de lado os negócios principais. Com as receitas e o lucro do grupo em queda, os investidores não parecem dispostos a tolerar tanto empenho numa distração que ainda está longe de se provar rentável – e, para os mais céticos, até mesmo viável.

Logo após demitir mais de 11 mil funcionários, em novembro, Zuckerberg tentou dissipar a impressão de que a Meta só está focada no metaverso, e esclareceu que apenas 20% dos investimentos são direcionados ao Reality Labs, responsável pelo desenvolvimento de hardwares e softwares de realidade virtual e realidade aumentada. No terceiro trimestre de 2022, a divisão registrou prejuízo de US$ 3,67 bilhões.

A euforia inicial em torno da guinada da Meta – capaz de mudar, em 2022, o nome da empresa – e a reação negativa do mercado criou a sensação de expectativa frustrada. A questão é: afinal, o que existe de fato a respeito do metaverso além da aspiração de um empresário em busca da próxima onda, em meio aos efeitos da desaceleração da economia global e o sucesso de concorrentes como o fulminante Tiktok?

Primeiro é preciso dizer que Zuckerberg não está sozinho. Movidas pela lógica de que as pessoas passam cada vez mais tempo na internet – seja para se divertir, seja para trabalhar –, inúmeras empresas pequenas e grandes começaram a desenhar sua própria versão do metaverso. Entre as gigantes de tecnologia, Microsoft e Qualcomm são dois exemplos. A Microsoft adquiriu o jogo virtual Minecraft em 2014, e mais recentemente investiu na Activision Blizzard, com uma oferta de US$ 69 bilhões. A Qualcomm lançou um fundo de US$ 100 milhões para investir em novas tecnologias para o metaverso, além de uma parceria com a Meta com a mesma finalidade. Até mesmo o americano Neal Stephenson, que cunhou o termo no livro de ficção científica Snow Crash, em 1992, transformou a ficção em negócio. Em 2014, Neal assumiu o posto de chief futurist officer da fabricante de óculos de realidade aumentada Magic Leap e, em 2022, lançou sua própria empresa, a Lamina 1, com foco no desenvolvimento de um metaverso descentralizado.

Todos concordam que o metaverso em sua plenitude não existe ainda – e estamos num estágio inicial de desenvolvimento das tecnologias que devem compor esse segmento no futuro. Já existe, porém, muito mais do que apenas futurismo e ficção nesse mercado. De acordo com a plataforma Statista, as vendas de headsets do tipo movimentaram US$ 12 bilhões no ano passado, e US$ 15,8 bilhões são esperados para 2023. Pelas contas da consultoria GWI, a parcela da população que tem óculos de realidade virtual aumentou 29% desde que começou a pandemia – com as pessoas reclusas, afinal, o dispositivo nunca se mostrou tão oportuno.

Para os próximos anos, o otimismo é crescente. A consultoria Gartner calcula que, até 2026, 25% da população americana vai gastar no metaverso pelo menos uma hora por dia – seja para estudar, trabalhar, fazer compras, se divertir ou interagir com outras pessoas. Considerando o tempo que nos mantemos online diariamente por meio de smartphones, computadores e tablets – 6h43, em média, segundo a GWI –, até que é pouco. Até 2026, crava a consultoria, 30% das organizações vão lançar produtos e serviços para o universo venerado por Zuckerberg. O que os consumidores querem fazer por lá? De acordo com a GWI, 56% deles anseiam pela possibilidade de assistir a TV e filmes no metaverso, e 49% querem conferir eventos ao vivo, como shows e partidas de futebol. Quase a metade (48%) espera poder pesquisar sobre produtos, e 47% planejam adquiri-los por lá – 73% dos entusiastas, por sinal, preferem fazer compras online. Por fim, 44% gostariam de se reunir com amigos e familiares, e 32% adorariam conhecer novas pessoas – justamente o território a que se propõe originalmente a Meta. “Os fornecedores já estão criando maneiras para os usuários replicarem suas vidas no metaverso”, disse Marty Resnick, vice-presidente de pesquisa da Gartner. Para a consultoria Mckinsey, o mercado deve movimentar US$ 5 trilhões globalmente em 2030.

A questão não é só quando chegaremos ao metaverso – mas como. E essa resposta definirá os vencedores dessa corrida. Em vez de ficar esperando os tradicionais usuários de Facebook ou Instagram se interessarem pelas novas tecnologias, empresas como a Meta estão indo atrás dos early adopters – os gamers, antes que seja tarde. Alguns elementos do metaverso já são corriqueiros para esse grupo que soma cerca de 3 bilhões de pessoas no mundo. Os avatares e a construção de universos paralelos é a essência de jogos populares como Minecraft, Roblox e Fortnite.

O caminho para esse tipo de jogos começou a ser trilhado há muito tempo, com o Second Life, criado em 1999 e tido como a pedra angular. Para especialistas, o sucesso desses jogos vai além da simples diversão e se explica, em parte, justamente pelo apelo do sentido de pertencimento a um grupo. “O metaverso oferece um lugar onde as pessoas podem sair com suas comunidades e cria um senso de identidade compartilhada”, concluiu a GWI. Segundo a consultoria, os avatares se tornaram uma espécie de extensão dos jogadores, por vezes convenientemente modificada, na tela. “Muitos adotam personalidades diferentes quando estão online, e querem mudar mais de aparência do que de guarda-roupa”, registrou a empresa. Para atender a esses desejos, a Meta oferece uma enorme gama de combinações de atributos diferentes para os avatares dela. A empresa se preocupou tanto em disponibilizar tons de pele e formatos de rosto variados quanto acessórios como aparelhos auditivos – para que todos se sintam representados e incluídos no metaverso.

Uma conclusão semelhante está numa pesquisa recente da consultoria Deloitte, na qual os gamers afirmam que os avatares ajudam na expressão dos próprios jogadores. No Brasil, 69% dos participantes fizeram essa afirmação – o percentual mais alto entre os cinco países analisados (os

A QUESTÃO NÃO É SÓ QUANDO CHEGAREMOS AO METAVERSO – MAS COMO. E ISSO DEFINIRÁ OS VENCEDORES DESSA CORRIDA

demais foram Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Japão). Por meio dessas personas virtuais, os jogadores interagem com outros amigos – e até mesmo conhecem pessoas novas. Há quem aponte aí o surgimento de novas formas de interação social que podem, inclusive, ameaçar negócios como as redes sociais como as conhecemos.

Não à toa, a Meta e a Microsoft já compraram mais de 15 empresas de jogos, mirando o entretenimento imersivo. Em outubro, a Meta deu um passo assertivo na frente dos gadgets para atender consumidores interessados em jogos com essa proposta. Lançou o Quest Pro VR, considerado um dos melhores headsets de realidade virtual. Custa US $1.499,99– ou US $1.100 a maisque o antecessor, oQuest 2. Com design bem mais discreto, a novidade é capaz de rastrear as expressões faciais dos usuários para tornar seus avatares mais realistas. Gadgets como o Quest 2 já fazem parte do dia adia de inúmeros fãs de games como Minecraft, Fortnite, Roblox e Horizon Worlds, da Meta.

Há o aspecto da tecnologia – e a velocidade com que essas experiências virtuais se tornam mais complexas e atraentes. Mas também existe o componente do comportamento das pessoas. Ninguém consegue cravar quando e como esses dispositivos terão o chamado efeito de rede fora dessas plataformas e em todos os âmbitos da vida. Criada no início do século 20 pelo americano Theodore Vail, um executivo da Bell Telephone, a teoria do network effect estabelece que o valor de bens, produtos e serviços é diretamente proporcional à quantidade de pessoas que os utilizam – e também se aplica a redes sociais como o Facebook.

O que existe no campo do entretenimento já é suficiente para o surgimento de uma quantidade de startups dedicadas ao assunto. Fundada em 2018, a holandesa The Fabricant captou US$ 14 milhões nas rodadas de investimento Seed e Séries A. Trata-se da primeira grife que só confecciona roupas para avatares. A marca acredita que, no mundo real, ninguém compra vestimenta pensando só na funcionalidade e sim para expressar a própria identidade. E a verdade é que muita gente tem preferido as redes sociais e o metaverso para se expressar e interagir com outras pessoas. Daí a tese, defendida pela The Fabricant, de que a moda física como único meio de expressão está com os dias contados.

No marketplace da grife – fundada pelo finlandês Kerry Murphy, pela holandesa Amber Jae Slooten e pela carioca Adriana Hoppenbrouwer-pereira –, um look digital inspirado no visual da Lara Croft, por exemplo, custa quase US$ 85. Um dos trajes mais caros sai por volta de US$ 87 mil.

A grife também cria vestimentas digitais para marcas interessadas em surfar na onda do metaverso. Para a Dapper Labs, fabricante do jogo Cryptokitties, confeccionou um vestido digital protegido pela tecnologia blockchain, o primeiro do gênero. Batizado de Iridescence, foi leiloado por US$ 9,5 mil. Até 2025, a Fabricant quer vestir 100 milhões de avatares.

NOVOS CONCORRENTES

O célebre dilema da inovação descrito pelo professor da escola de negócios da Universidade Harvard Clayton Christensen, morto em 2020, ilustra bem a situação da Meta. Em geral, as grandes empresas são as primeiras a identificar novas tendências disruptivas. Mas elas têm muito a perder ao abrir mão do que dá dinheiro hoje para investir no que só vai se confirmar como a tecnologia dominante anos à frente. Para piorar, em seus primeiros anos, as novas tecnologias costumam ser desacreditadas porque levam tempo para se sofisticar e parecem piores do que se espera, como se vê hoje no caso do metaverso. Foi assim com o clássico desenvolvimento da foto digital, que aniquilou a Kodak. “Uma coisa é uma startup apostar no metaverso, que ninguém sabe se trará novas fontes de receitas e se um dia deixará de ser um nicho. Outra coisa é um gigante do tamanho da Meta, com acionistas que, naturalmente, esperam dividendos”, diz Pedro Waengertner, autor de A Estratégia da Inovação Radical, que esmiúça companhias célebres do Vale do Silício, e CEO da ACE, uma holding de inovação em negócios. Waengertner destaca, no entanto, a ousadia da Meta: “As empresas mais inovadoras são aquelas que matam o próprio negócio antes que o declínio chegue e saem em busca de uma nova onda para surfar.”

Na mesma conferência em que tentou relativizar o esforço da companhia para liderar o metaverso, Zuckerberg reafirmou sua convicção nessa aposta: “Não estaremos aqui, na década de 2030, nos comunicando e usando dispositivos de computação exatamente iguais aos de hoje.” Alguns de seus competidores diretos concordam, mas agem de outra forma. Instado pelo The New York Times a opinar sobre o metaverso, Shou Zi Chew, o CEO do Tiktok, disse o seguinte: “Fascinante. Dá para pensar em vários cases interessantes e úteis. Mas, considerando o atual estágio da curva de adoção, está muito cedo para investirmos nele”.

Para quem aguarda uma revolução, a espera pode ser frustrante. “As plataformas tecnológicas que trazem experiências virtuais compartilhadas entre os mundos físico e virtual estão apenas começando a mostrar o seu potencial”, afirma Simone Kliass, vice-presidente da XRBR (Associação Brasileira das Empresas e Profissionais de Realidades Estendidas). “Não é uma revolução. É uma evolução.”

PARA 69% DOS GAMERS BRASILEIROS, OS AVATARES JÁ REPRESENTAM UMA MANEIRA DE EXPRESSAR A PRÓPRIA IDENTIDADE

EDITORIAL

pt-br

2023-02-03T08:00:00.0000000Z

2023-02-03T08:00:00.0000000Z

https://epocanegocios.pressreader.com/article/282587382125685

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.