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O fator Tiktok muda as regras da microinfluência e do marketing digital

O CRESCIMENTO VERTIGINOSO DO TIKTOK AJUDOU A IMPULSIONAR NOVAS CELEBRIDADES INSTANTÂNEAS, ALÉM DE AMPLIAR A PRESENÇA DE MICROINFLUENCIADORES

MICHELE LOUREIRO

POUCOS MESES ANTES do início da Copa do Mundo do Catar, em agosto de 2022, o baiano Iran Ferreira, de 22 anos, conhecido nas redes sociais como Luva de Pedreiro, postou um vídeo curtido por mais de 25 milhões de pessoas no Tiktok. Seguida de seu célebre bordão “Receba!”, a mensagem era curta e simples: ele era o novo embaixador da marca Adidas, dona da bola oficial da competição. Em postagens seguintes, ele fez propaganda da chuteira, da bola e foi presencialmente assistir aos jogos nos estádios da Copa com a Adidas. Com mais de 45 milhões de seguidores no Tiktok, rede em que fez suas primeiras postagens como Luva de Pedreiro, e no Instagram, o influenciador tem um poder de alcance bem maior do que a própria marca, que possui 4,6 milhões de inscritos nas redes no Brasil. “Represento a Adidas em comerciais, nas lojas, com minhas fotos, e usando as roupas para onde eu vou”, diz o influenciador nascido na cidade de Quijingue, no norte da Bahia.

Há apenas dois anos ele decidiu postar seus primeiros vídeos, em que finalizava gols em campos de futebol de várzea de terra batida. O codinome vem do visual: ele usa luvas normalmente usadas por pedreiros para imitar jogadores se protegendo do frio europeu. Hoje considerado o influenciador de futebol com mais seguidores do mundo, ele já fez anúncios em suas redes para outras 30 marcas em 2022, mesmo entre idas e vindas das redes sociais – em que chegou a apagar todas as suas postagens no Instagram – e problemas com o ex-empresário.

Estima-se que 76% dos internautas brasileiros já tenham consumido produtos ou serviços após a indicação de influenciadores digitais, de acordo com o Instituto Qualibest em parceria com a Spark, agência especializada nessa área. Indicadores como esses, aqui e em todo o mundo, têm impulsionado esse segmento ano após ano. Em 2022, o mercado de marketing de influência global movimentou o valor recorde de US$ 16,4 bilhões, mais do que o dobro do valor registrado em 2019, segundo a empresa de dados Statista.

“NÃO FECHO NADA OLHANDO APENAS O VALOR DO CONTRATO. A CREDIBILIDADE DA MARCA É O MAIS IMPORTANTE PARA MIM. JÁ NEGUEI PARCERIA EM QUE EU SÓ PRECISARIA FAZER UM VÍDEO PARA GANHAR R$ 500 MIL POR NÃO SENTIR CONFIANÇA”

LUVA DE PEDREIRO

A trajetória fulminante de Luva de Pedreiro e seu contrato com a Adidas mostram elementos importantes de uma nova era dos influenciadores. A ascensão meteórica do Tiktok – e junto com ela uma nova geração de influenciadores em todo o mundo, focados nos temas mais variados – ajudou a trazer novas opções de celebridades e também a ampliar a segmentação de temas. “As interações com o Luva de Pedreiro ajudaram a alcançar diversos perfis de consumidores”, diz João Meyer, diretor sênior de marketing da Adidas no Brasil, cuja estratégia para a Copa também recrutou celebridades das novelas, como a atriz Jade Picon, e do esporte, como o ex-jogador Kaká. Além dos influenciadores mais populares, que somam milhões de seguidores, existe uma enorme variedade de vozes que ganham legitimidade para falar com diversas audiências, as microcelebridades. “Entregamos aproximadamente 500 campanhas neste ano, com mais de 3 mil influenciadores contratados”, diz Flávio Santos, CEO da Mfield, agência de marketing de influência criada em 2017, que atende clientes como Stone, Mercado Livre e Ambev, e autor do livro Economia da Influência.

EFEITO TIKTOK

O estudo Creators e Negócios, da Youpix, mostra que Instagram e Youtube são as plataformas mais utilizadas por influenciadores digitais, mas o Tiktok ganhou projeção em 2022. Segundo dados da empresa, houve um crescimento de 221% no número de anunciantes na plataforma na América Latina no último ano, grande parte disso vinda do Brasil. A estimativa é que o Tiktok tenha cerca de 1 bilhão de usuários no mundo. “Um levantamento mostra que 80% dos usuários no Brasil dizem confiar e enxergar credibilidade nos vídeos a que assistem, e 85% afirmam ter pesquisado um produto depois de tê-lo visto em algum conteúdo da plataforma”, diz Gabriela Comazzetto, head de soluções globais para negócios do Tiktok na América Latina. Outro estudo, realizado pela consultoria Nielsen junto a cinco grandes anunciantes da indústria de bens de consumo, revelou que investir em anúncios no Tiktok pode ser 80% mais eficiente do que anunciar em mídias offline, e 73% mais eficiente do que em outras mídias digitais. “Em uma campanha no Tiktok, o Serasa conseguiu renegociar a dívida de cerca de 500 mil pessoas. A taxa de conversão do Serasa é de cerca de 75% na plataforma, ou seja, três a cada quatro pessoas que clicam no anúncio no Tiktok baixam o aplicativo e renegociam dívidas”, afirma Gabriela.

“Se antigamente existia um jeito único e tradicional de nos comunicarmos com os consumidores, hoje em dia isso acontece de formas variadas. Nossa entrada no Tiktok, aliás, foi marcante por sermos umas das primeiras marcas do Brasil a chegar na plataforma, quando eles ainda não tinham uma operação fixa no país”, diz Lucas Oliveira,

“FALO DA REALIDADE SOBRE SER PESSOA COM DEFICIÊNCIA DE FORMA LEVE PARA CHEGAR EM QUEM ESTÁ ASSISTINDO. NÃO FALO SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, EU FALO SOBRE COMO É SER UMA MULHER COM DEFICIÊNCIA”

PEQUENA LO

diretor de Marketing de Guaraná Antarctica. Atualmente a marca tem um dos principais canais da plataforma, com 2,5 milhões de seguidores. “Recentemente, na Copa do Mundo, lançamos um filtro proprietário do Canarinho dentro do Tiktok e fomos a primeira marca no Brasil a usar esse recurso. O filtro teve mais de 40 milhões de views em um mês.

Também para o mundial do ano passado, a empresa lançou uma ação com Whindersson Nunes, quarto maior influenciador do país em número de seguidores, convidando o público a pintar o Tiktok de verde. Foram mais de 78 milhões de views e mais de 800 vídeos criados. “Vale destacar também nossa presença no Youtube, com o canal Coisa Nossa. Dizemos que o canal é a ferramenta perfeita para trazer conteúdos leves e divertidos, alinhados com a marca e com o desejo dos consumidores”, diz Oliveira.

Apesar de não haver fórmula mágica, os especialistas dizem que a mensagem assertiva é o que une a narrativa certa – tom de fala, atributos da marca e conteúdo orgânico – com a escolha do personagem correto, falando para a comunidade certa. O influenciador Lucas Inutilismo, humorista e youtuber de 26 anos, participou do canal Coisa Nossa, da Antártica, e diz que a autenticidade é o principal pilar de relação com a marca. “O canal me deu liberdade para estar sempre o mais próximo de ser quem eu sou, o que eu considero imprescindível para o sucesso”, diz o influenciador.

MARKETING DE INCLUSÃO

Além do desempenho econômico das marcas e do bolso mais cheio dos influenciadores, o marketing de influência também tem sido uma oportunidade de inclusão. A Dove é uma das empresas que mais apostam nessa frente. Segundo Paula Paiva, líder de digital e mídia de Dove, as empresas têm grande responsabilidade sobre as ações de inclusão e de desconstrução de estereótipos na sociedade, sendo uma das principais influenciadoras ou mantenedoras de padrões que ainda são impostos nos dias de hoje. “Nosso objetivo como marca se reflete na escolha dos nomes com os quais trabalhamos: queremos influenciadores e criadores de conteúdo que nos ajudem a desconstruir os padrões de beleza e, mais do que isso, ajudem as mulheres a terem uma experiência positiva com seus corpos e consigo mesmas”, diz. Em 2023, a marca dará um novo passo, com o lançamento dos perfis locais no Instagram e no Tiktok, onde aparecia apenas nas inserções dos influenciadores. Além disso, também será uma das patrocinadoras da 23ª edição do Big Brother Brasil. “Para além do engajamento e do entretenimento, queremos provocar discussões e reflexões que gerem mudanças na sociedade no que diz respeito aos padrões de beleza e todas as consequências a eles relacionadas”, afirma a executiva. Um exemplo de ação foi a campanha That’s Not My Name, realizada no ano passado. “Ao mapearmos uma trend em ascensão no Tiktok, encontramos o desdobramento relacionado à aparência que, ao levantar a importante pauta dos apelidos maldosos, trouxe histórias reais e nos permitiu divulgar nosso Projeto Dove pela Autoestima”, explica Paula.

Influenciadores-chave ajudaram a marca a propagar a mensagem. Foram mais de 68 milhões de impressões e cerca de 5 mil Tiktoks orgânicos criados a partir da ideia. Uma das escolhidas foi a Pequena Lo, psicóloga mineira famosa pelos vídeos de humor. Lorrane Silva nasceu com os membros encurtados devido a uma síndrome que até hoje não foi identificada pelos médicos, mas que é associada à displasia óssea. Conhecida por falar sobre capacitismo e direitos das pessoas com deficiência nas redes sociais, ela fez 65 postagens para marcas em 2022, e afirma que a parceria com a Dove é recorrente, mas que ainda há empresas que focam apenas em ações pontuais. “A gente vê muitas marcas contratando apenas em datas específicas, e isso não é inclusão. A inclusão é você contratar a pessoa pelo trabalho, e não pela minha deficiência, por exemplo”, diz.

O marketing de influência também é uma oportunidade de mudança de vida para os influenciadores. A Digital Favela, agência criada em 2020 com o objetivo de conectar 17 milhões de pessoas de favelas com oportunidades de negócio, conta com 6,5 mil influenciadores cadastrados na base, vindos de mais de 3 mil favelas do Brasil. Em sua maioria, são microinfluenciadores, com até 100 mil seguidores, com um alto engajamento em assuntos como finanças, moda, beleza, cultura, veganismo, arquitetura, entre outros, sempre com análise a partir do olhar de dentro da favela. Empresas como Claro e CCR são clientes. “Assistimos a um crescimento do interesse e procura de marcas. As empresas estão entendendo a força de interlocução dos influenciadores com seus próprios territórios. Dessa forma, a comunicação acontece de maneira direta e sem interlocutores”, diz Celso Athayde, sócio da Digital Favela.

“DISASTER CHECK”

Nas parcerias com as empresas, os influenciadores se associam aos atributos de reputação das marcas com todos os

benefícios e riscos associados a isso. O contrário também é verdadeiro – as marcas passam a ser reconhecidas pelos rostos e opiniões de quem as representa perante milhões de consumidores nas redes. Segundo os especialistas, este é o maior risco: dos dois lados, a reputação está sempre em jogo. Por isso, um termo é amplamente utilizado na hora do fechamento de contrato entre as partes: disaster check. O processo, feito por meio de big data aliado ao olhar humano, avalia o histórico de um influenciador na internet, mapeia determinadas publicações sensíveis e verifica se já realizou algum trabalho com uma marca concorrente, por exemplo. Nesta fase, também entra a questão do alinhamento de propósito e valores. “A economia da influência é feita por pessoas, e existem níveis diferentes de riscos de trabalhar com influenciadores. Quando se contrata um embaixador, entendemos que aquele nome está emprestando a sua autoridade para a marca. É um peso maior. Quando criamos campanhas pontuais de influenciadores com marcas, faz parte da estratégia enfrentar esse risco calculado”, explica o CEO da Mfield.

Casos como o do jogador da seleção brasileira Vini Jr. e a Nike são emblemáticos. As partes mantêm uma relação de patrocínio há nove anos, e nos últimos meses o jogador tem se mostrado insatisfeito, alegando ser preterido pela marca, e gerando exposição negativa. Em stories do Instagram, o jogador agradeceu os patrocinadores pelo ano de 2022, mas deixou de lado a Nike e usou chuteiras antigas da marca.

A presença direta das empresas nas redes, apesar de uma tendência sem volta, também, por vezes, tem sido uma trajetória conflituosa. Em 2020, tornou-se ruidosa a movimentação de mil empresas que se juntaram ao movimento chamado #Stophateforprofit e cortaram muitos investimentos em plataformas do Facebook, em protesto a discursos de ódio e informações falsas. Os cem maiores anunciantes do Facebook nos Estados Unidos reduziram investimentos em 12%, naquele ano. O movimento exigia mais esforço para conter mensagens de ódio e notícias falsas, amplamente divulgadas nas redes e que, inevitavelmente, muitas vezes apareciam lado a lado com anúncios das grandes marcas.

Mais recentemente, 500 anunciantes do Twitter pararam de investir em publicidade na rede social desde a aquisição da companhia por Elon Musk, no ano passado, segundo o site de tecnologia The Information, citando uma fonte familiarizada com o assunto. Uma debandada já havia acontecido diante das novas medidas de Musk, como a demissão imediata de milhares de funcionários e o comprometimento do sistema de selos de verificação de contas, que resultou em golpistas se passando por empresas no Twitter. O fato é que, com as novas oportunidades, vêm também novos riscos – e as empresas começam a aprender a reagir a essa realidade.

“O QUE FAZ MEU PÚBLICO ESTAR TÃO CONECTADO COMIGO É A SENSAÇÃO DE PROXIMIDADE, DE CONSEGUIR SE RELACIONAR COM AQUILO QUE ESTÁ VENDO. E ISSO EU CONQUISTEI DA MANEIRA MAIS NATURAL POSSÍVEL”

LUCAS INUTILISMO

EDITORIAL

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2023-02-03T08:00:00.0000000Z

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