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Negócios digitais precisam reencontrar o fator humano, sugere Guilherme Horn

O CLIENTE HOJE CONSIDERA SPAM QUALQUER MENSAGEM INDESEJADA, MESMO QUE VINDA DE UMA EMPRESA EM QUE COMPRA COM FREQUÊNCIA. E VAI FICAR AINDA MAIS EXIGENTE

GUILHERME HORN* ilustração: ai midjourney

HÁ ALGUMAS SEMANAS, comprei numa loja online uma palheta para saxofone. Estava satisfeito com a aquisição. Minutos depois, recebi uma mensagem do vendedor. Ele me oferecia um pedal para guitarra, que estava em promoção e poderia ser incluído no pedido sem custo adicional de frete. Pode até ser que o CRM do vendedor estivesse mostrando alta propensão de aquisição de pedais de guitarra por parte dos compradores de palhetas de sax. Minha reação, porém, foi negativa. Considerei a oferta inadequada.

A tentativa da empresa fez parte de um esforço conversacional. Adotar essa forma de interação vai exigir um certo mindset. Haverá diferentes questões a resolver, em diferentes estágios de maturidade da implementação. Da mesma forma que aconteceu com as empresas que foram para o mundo do e-commerce tentando de início replicar (mal) a experiência da loja física, o caminho mais óbvio é as empresas irem para o conversacional replicando a experiência dos sites e aplicativos, o que nem sempre dará certo. Neste momento em que empresas têm de fazer escolhas em sequência – manter presença em quais redes sociais? Adotar inteligência artificial em quais áreas do negócio? –, vale a pena observar o cenário com alguma perspectiva da evolução recente dos negócios digitais.

No início dos anos 2000, na medida em que a internet se disseminava, as empresas do varejo perceberam que precisavam construir uma presença na grande rede. Existiam poucos profissionais com conhecimento do incipiente mundo digital, e

naturalmente as primeiras iniciativas buscaram replicar a experiência da loja física. A forma como o usuário procurava por um produto, suas descrições, a navegação pelo site, o carrinho de compra… tudo espelhava uma experiência já conhecida e claramente usava o mindset corrente, da visita às lojas tradicionais.

Aos poucos, as empresas entenderam que a tecnologia disponível permitia a criação de uma experiência completamente diferente, e que a presença no mundo digital deveria ir além de digitalizar o catálogo de produtos e disponibilizá-lo no site. Os motores de recomendação começaram a informar aos usuários quais produtos haviam sido comprados por clientes com perfil semelhante, fazendo sugestões que se mostravam bem úteis. A navegação começou a ficar mais personalizada, recordando áreas de interesse com base em pesquisas anteriores. As empresas logo entenderam que a internet poderia ajudá-las muito mais em todos os momentos do funil de vendas, fornecendo dados que permitiriam gerenciar todo o processo de forma nunca antes vista. Por fim, entenderam que o mundo digital também as desafiava a repensar o modelo de negócio. Passamos a ver lâminas de barbear vendidas pelo modelo de assinatura, sabão em pó se convertendo em serviço de lavanderia, empresas de conteúdo passando a vender projetos de consultoria e por aí vai.

Quando a empresa chegava a esse estágio de repensar todo o modelo de negócio, dizíamos que era um claro sinal de que começava a pensar de forma digital – e isso era muito diferente de simplesmente ter presença no mundo digital. Uma coisa é disponibilizar canal digital para atender e vender; outra, completamente diferente, é construir toda uma operação digital, com pessoas que compreendem a área, que pensam na estratégia e na operação com mindset digital. Nesse momento, os aplicativos começavam a ocupar as telas dos smartphones e passavam a oferecer uma experiência ainda melhor ao consumidor final. Entretanto, embora a evolução tecnológica tenha sido grande e os benefícios, bem claros (eficiência, facilidade e simplicidade, para empresas e consumidores), perdeu-se algo nesse processo: o elemento humano.

A digitalização de toda a cadeia atropelou as interações humanas e automatizou até as poucas conversas remanescentes, por meio dos chat bots. Com a pandemia, a ausência da interação humana ficou mais evidente. Pequenas e médias empresas, que não estavam inseridas no mundo digital, usaram as conversas pessoais por aplicativos de mensagem para manter seus negócios de pé durante a pandemia. Todas as etapas de um processo de venda, no caso das PMES, se davam por meio dessas conversas pessoais. Isso evidenciou o contraste com aquelas empresas que já operavam digitalmente. De acordo com o estudo “O impacto da pandemia de coronavírus nos pequenos negócios”, realizado pelo Sebrae em maio de 2021, 84% dos pequenos empresários estavam usando o Whatsapp para operar os seus negócios. O Whatsapp foi uma das principais pontes a levar o pequeno empresário brasileiro para o mundo digital. E assim, de forma orgânica e espontânea, desenvolveu-se o canal conversacional.

Se pensarmos sob a ótica de plataforma tecnológica, podemos dividir a evolução do mundo digital em três ondas: websites, aplicativos, conversacional. Agora, essas três possibilidades de interação se complementam e precisam conviver. Sites e aplicativos foram pródigos em escalar operações, romper fronteiras geográficas, superar barreiras do horário comercial, otimizar a logística de estoque e entrega de produtos, racionalizar custos. Trouxeram inúmeros ganhos de eficiência. Falharam apenas ao desumanizar o relacionamento entre as organizações e seus clientes e parceiros. Com a era conversacional, essa lacuna pode ser preenchida. Podemos somar a eficiência de sites e aplicativos ao elemento humano do conversacional. Da mesma forma que aconteceu antes com sites e aplicativos, o conversacional agora é uma exigência do cliente. Isso independe do tamanho e segmento da empresa. Não importa se é B2B, B2C ou B2B2C.

Quando olhamos no detalhe como se dá a adoção do conversacional, identificamos três momentos distintos. Num primeiro estágio, as empresas colocam o serviço de atendimento ao cliente. É uma migração natural do atendimento telefônico ou e-mail para o atendimento por chat. Seja pré-venda, pós-venda, suporte ou atendimento em geral. Trata-se de uma migração com benefícios para as duas partes. Um atendente consegue falar com vários clientes ao mesmo tempo, e a conversa mistura o assíncrono com o síncrono. Uma interação pode levar minutos ou horas, e quem determina isso é o usuário. Para um cliente com agenda intensa, o melhor pode ser responder mensagens nos intervalos de suas reuniões. Ele consegue resolver uma troca de um produto ao longo de um dia, o que dificilmente conseguiria fazer se tivesse de dedicar 30 minutos para fazer uma ligação telefônica.

O segundo estágio são mensagens de marketing, como ofertas de produtos e serviços, recuperação de carrinho abandonado e outras mais. A conversa costuma obter taxas de conversão maiores do que outros canais, como e-mail ou

notificações de aplicativos (push messages).

O último estágio, que as empresas começam a explorar agora, é o das transações do core business. São transações já possíveis nos aplicativos e sites, mas pouco usadas pelos clientes – e que ganham evidência numa interação por meio de conversa. Um grande banco, por exemplo, começou a testar mensagens de Whatsapp para compras recusadas no cartão de crédito. O caso de referência era um consumidor numa loja, tentando fazer uma compra com um cartão de crédito, num valor acima do normal, o que levanta a suspeita de fraude e leva o sistema a bloquear a compra. O banco costumava enviar uma mensagem de SMS para o cliente confirmar o que estava ocorrendo, mas poucos respondiam. Testou então enviar uma mensagem de Whatsapp (para aqueles que haviam dado consentimento para o contato e autenticado seus números de telefone). A resposta apresentou números impressionantes. O benefício é imediato e de alto valor para ambas as partes – mais compras são concluídas e menos consumidores ficam insatisfeitos com bloqueio indevido de cartão.

O exemplo bem-sucedido serve de contraponto ao caso que mencionei antes. Por que eu, comprador de palheta de sax, não gostei de receber oferta não solicitada de pedal de guitarra? A cultura norte-americana de ofertas de marketing, promoções e cupons de desconto nunca foi tão bem implementada no Brasil. O brasileiro não tem a mesma confiança que o americano nas ofertas de desconto, apesar dos notáveis esforços de inúmeros varejistas sérios que temos no país. Essa é a realidade nas campanhas de e-mail marketing que, se transferida para os aplicativos de mensagem, pode gerar reação negativa dos consumidores.

Algumas empresas já começaram a entender que o mindset para a era conversacional precisa ser diferente. Enquanto no site ou aplicativo a empresa pode apresentar banners com uma mesma oferta para todo um segmento de clientes, no conversacional uma oferta precisa ser ultrapersonalizada. Se não o for, estará nas mãos do usuário – que é cada vez mais exigente – bloquear facilmente aquela mensagem. A barra não para de subir, e o que o cliente considera spam é qualquer mensagem indesejada, mesmo que vinda de uma empresa na qual ele compra com frequência.

A classificação de indesejada tem várias dimensões: produto/serviço, canal, tom de voz, conteúdo, tamanho da mensagem, momento (dia e hora). O contexto é a chave. Uma mensagem adequada, porém fora do contexto, é indesejada. A lógica é do risco x retorno: uma boa campanha tende a converter muito mais do que em outros canais, e uma campanha mal planejada pode afastar o consumidor da sua marca. Por isso, é fundamental conhecer o consumidor e saber que tipo de oferta ele quer receber, quando e como. É necessário respeitar o mindset do conversacional. Empresas construindo sua estratégia de conversacional com essa inteligência estão obtendo retornos positivos, com clientes satisfeitos. Varejistas com o comércio conversacional, bancos fazendo banking conversacional, seguradoras implementando o seguro conversacional e por aí vai.

CONVERSAS PODEM SER MALVISTAS PELO CLIENTE POR VÁRIOS MOTIVOS: CANAL, TOM, CONTEÚDO, TAMANHO, MOMENTO... O CONTEXTO É A CHAVE

EDITORIAL

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2023-02-03T08:00:00.0000000Z

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