Epoca Negocios

A GUERRA DAS REDES SOCIAIS

A ASCENSÃO DO TIKTOK TRANSFORMA HÁBITOS DOS USUÁRIOS DE REDES, EXIGE REAÇÃO DOS CONCORRENTES E DÁ AO MUNDO LIÇÃO DE INOVAÇÃO

VVESTIDO COM UMA fantasia de Harry Potter, um homem se locomove com uma vassoura voadora numa pacata rua de bairro nos Estados Unidos. Logo ele se aproxima da câmera e o truque se revela – um espelho e uma perna falsa, presos a uma das laterais de seu patinete cobrem a imagem real da cintura para baixo e criam, à distância, a ilusão de que ele está de fato flutuando. O vídeo dura 18 segundos e já foi assistido 2,2 bilhões de vezes desde que foi postado, em junho do ano passado, pelo autointitulado “mágico moderno” Zach King, um dos mais populares tiktokers do país, com 72,7 milhões de seguidores.

Duas em cada dez pessoas no planeta dedicam, em média, 20 horas por mês para acompanhar a avalanche de mais de 1 bilhão de vídeos curtos, muitos deles com até 15 segundos, que tomam conta da rede todos os dias. As cenas são variadas, e por vezes insólitas, como pessoas latindo para cachorros, professores de matemática com dicas para os alunos, recomendações de livros – e sim, claro, as tradicionais dancinhas que fizeram a fama da plataforma.

Em 2022, essa multidão de expectadores teve um acréscimo de 30% – o que a tornou a rede que mais cresceu no mundo. Numa ascensão meteórica desde que começou a operar, há pouco mais de cinco anos, o Tiktok, controlado pela startup chinesa Bytedance, considerado o maior unicórnio do mundo, passou rapidamente de uma novidade a ser monitorada – e copiada – para a primeira ameaça real ao Vale do Silício (veja quadros na pág. 52).

A ameaça nunca assumiu formas tão concretas como agora. Em 2022, o Tiktok teve um ano de resultados recordes, aparentemente imune a uma série de adversidades – crise econômica, efeitos da crescente pressão de reguladores por restrições e até mesmo o risco de banimento nos Estados Unidos. Rivais poderosas, enquanto isso, encolheram de maneira inédita. As receitas publicitárias do Tiktok dispararam 139,9% e chegaram a mais de US$ 10 bilhões em 2022. No mesmo período, as da Meta – dona do Facebook, do Instagram e do Whatsapp – pela primeira vez caíram 3,7%, de acordo com estimativas da Insider Intelligence.

Por mais de uma década, Meta e Alphabet, controladora do Google, levaram juntas mais da metade de todo o investimento publicitário nos Estados Unidos. No ano passado, de maneira inédita, as duas ficaram com 48% desse montante. O destino de parte relevante da outra fração tem sido o Tiktok. Segundo a empresa Standard Media Index relatou em novembro, a participação da Bytedance nos gastos de grandes agências em mídias sociais cresceu nove pontos, para 11%. A movimentação mostra que, para as pioneiras, os dias de fartura inesgotável acabaram. Por ironia, na onda de cortes de custos nessas gigantes do Vale do Silício, com mais de 20 mil demitidos em pouco mais de dois meses, o Tiktok se tornou um lugar em que muitos deles encontraram espaço para contar essas experiências. Nicole Tsai, ex-funcionária do Google, publicou um vídeo no dia 20 de janeiro, ao descobrir a própria demissão sozinha. Ela percebeu que seu acesso ao sistema estava bloqueado no início do que ela pensou ser mais um dia normal de trabalho. Menos de uma semana depois, o vídeo já tinha mais de 4 milhões de views.

Projeções apontam que o Tiktok poderá ultrapassar as receitas combinadas da Meta e do Youtube em 2027. O dinheiro, claro, segue a audiência. O Facebook, do grupo Meta, tem 2,93 bilhões de usuários ativos, quase três vezes

mais que o Tiktok e equivalente a 40% da população mundial. É a maior rede social no mundo. Mas a longevidade dessa supremacia absoluta, no entanto, está em xeque. Pela primeira vez em quase duas décadas de existência, a rede de Mark Zuckerberg perdeu 2 milhões de usuários mensais em todo o planeta no segundo trimestre de 2022. O prognóstico parece mais promissor para a empresa chinesa também em um futuro mais distante, quando se considera a faixa etária média dos usuários. Cerca de 44% dos usuários nos Estados Unidos têm menos de 25 anos, segundo a empresa de pesquisa emarketer. No caso do Facebook, 16% estão dentro dessa faixa etária.

O fenômeno só existe porque seus fundadores – Zhang Yiming, hoje sem um cargo oficial na companhia, e Liang Rubo, atual CEO da Bytedance –, bolaram novas estratégias para fisgar a atenção das multidões – do formato do conteúdo aos algoritmos. A plataforma também tem sido considerada precursora na ambição. Para além das redes sociais, pesquisas mostram que a empresa já é mais usada como ferramenta de busca pela nova geração do que o Google em países como os Estados Unidos. O próximo passo tem sido investir em comércio eletrônico, tirando gigantes como a americana Amazon da zona de conforto.

REDE DE ENTRETENIMENTO

Outros concorrentes tentaram realizar o mesmo feito, com apenas uma fração do sucesso. O Snapchat, lançado em 2011 – sete anos antes em relação ao Tiktok – hoje possui 400 milhões de usuários, o suficiente para mantê-la entre as dez maiores do mundo. O que levou o Tiktok além, segundo especialistas, é o fato de que a plataforma – diferentemente das rivais – conseguiu driblar o “efeito de rede” que funcio

nou, por décadas, como uma enorme barreira de entrada nessa indústria e, portanto, de proteção ao Facebook e ao Instagram. Quem abre uma conta no Tiktok não precisa se conectar a ninguém para receber conteúdo dos demais usuários, que postam quantidades astronômicas de vídeos todos os dias. Por essa razão, a companhia sequer se denomina uma rede social. E sim uma rede de entretenimento. Ao separar a conexão social da distração, a plataforma da Bytedance atrai usuários sem que eles precisem, antes, construir uma teia de relacionamentos – uma diferença crucial em relação ao modelo dominante até então.

O principal trunfo para levar esse modelo ao sucesso está nos algoritmos. Para tentar decifrá-los, uma equipe de jornalistas do jornal americano The Wall Street Journal realizou um experimento. O grupo criou mais de cem contas diferentes, e chegou à conclusão que o app leva no máximo 40 minutos para entender as preferências de cada perfil, ao observar detalhes como o tempo que o usuário gasta vendo um vídeo e não outro. O grau de precisão do algoritmo em entender o usuário é frequentemente descrito como “chocante” e resulta numa oferta “viciante” de conteúdo afinado com esse histórico. Na fundação da empresa, Zhang Yiming, um engenheiro de computação que conheceu Liang Rubo na faculdade (mas só se reencontraram novamente para fundar a companhia anos mais tarde), já citava o uso da tecnologia como parte crucial do negócio que, segundo ele, iria “combinar o poder da inteligência artificial com o crescimento da internet móvel para revolucionar a forma como as pessoas consomem e recebem informações”.

Zhang, CEO da empresa até maio de 2021, é considerado o cérebro criativo e ambicioso por trás do empreendi

mento, segundo o pesquisador William Kirby, professor na Escola de Negócios de Harvard e especialista em China. Em sua carta de renúncia ao cargo que ocupara desde a fundação da companhia, ele revelou a medida de sua ambição. “Acredito que posso desafiar mais os limites da companhia na próxima década e buscar inovação ao focar em aprendizado, pensamento sistêmico e vontade de testar coisas novas”, escreveu.

O perfil do sucessor mostra também a direção internacional que ele pretende para a companhia. O atual CEO, Shou Zi Chew, de 39 anos, é um executivo com uma trajetória internacional e uma vivência intensa na cultura ocidental. Avesso a entrevistas, ele se formou em economia pela University College London e obteve um MBA na Universidade Harvard. Em 2010, chegou a ser estagiário no Facebook. Mais tarde, seguiu carreira em outras empresas chinesas, como a Xiaomi, uma das maiores empresas de smartphones do mundo. Para Rebecca Fannin, jornalista especializada no ecossistema de inovação chinês, o fundador da Bytedance faz parte de uma nova geração de líderes de tecnologia do país que, inspirados nos casos de sucesso da Tencent, criadora do Wechat, e Baidu, no fim dos anos 1990, trazem uma visão internacional. “O que ele fez com a Bytedance foi provar ao mundo que a China poderia ser um berço de inovação para o mundo”, diz Fannin, autora do livro Tech Titans of China (“Os titãs

SUMÁRIO

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2023-02-03T08:00:00.0000000Z

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