Epoca Negocios

“MINHAS SUPOSTAS FRAQUEZAS ERAM MEUS PONTOS FORTES”

SEM EXPERIÊNCIA NUM SETOR COMPLEXO, O ARGENTINO FEDERICO VEGA JÁ OUVIU QUE SÓ PODERIA FRACASSAR. NO COMANDO DA FRETE.COM, ELE VEM PROVANDO O CONTRÁRIO

MARCELO CABRAL

OARGENTINO FEDERICO VEGA chegou ao Brasil em 2013, sem conhecer quase nada do complexo setor brasileiro de transportes. Ainda assim, tinha a ideia de que um negócio novo, capaz de conectar motoristas e empresas interessadas em seus serviços, poderia dar certo. Mesmo com o desestímulo de investidores e especialistas que encontrou pelo caminho, ele passou meses frequentando pontos de parada de caminhoneiros e conversando com os profissionais – e percebeu que havia ali uma mudança de comportamento, com a multiplicação de celulares entre os profissionais. Colocar o pé na estrada, segundo ele, fez com que pudesse ver o que os concorrentes estabelecidos no mercado não viam: uma mudança de comportamento, com nuances que só poderiam ser observadas de perto. Ele criara a primeira versão da empreitada em 2011, no Chile. A insatisfação com as restrições de um mercado pequeno, após uma sequência de erros e acertos, fez com que decidisse trazer a empresa – chamada então de Cargox - para o Brasil. No dia 10 de novembro, o negócio se tornou um unicórnio após um aporte de US$ 200 milhões liderado pelo japonês Softbank e pela chinesa Tencent. É a terceira companhia a superar o valor de US$ 1 bilhão em rodadas de

investimento no mercado de logística, depois de ifood e Loggi – e a primeira no nicho de caminhões.

Junto com o novo investimento nasceu o grupo Frete.com, guarda-chuva para abrigar três empresas. A primeira é a própria Cargox. As demais são a Fretepago, espécie de banco para o setor, e a Fretebras, um marketplace no qual caminhoneiros e empresas se encontram para negociar o transporte de cargas. “A ideia é criar um único local para resolver diferentes problemas”, afirma Vega, presidente da holding. As receitas vêm da intermediação financeira dos empréstimos, da mensalidade paga pelas transportadoras e pela oferta de serviços digitais. Os caminhoneiros, por sua vez, não gastam nada para utilizar as plataformas. A seguir, os principais trechos da entrevista de Vega a Época NEGÓCIOS.

ÉPOCA NEGÓCIOS De onde surgiu o seu interesse por caminhões e por tecnologia?

FEDERICO VEGA Sou de Puerto Madryn, uma cidade na Patagônia, no sul da Argentina. Comecei a andar de bicicleta por lá aos 8 anos de idade, fazendo excursões de mountain bike pela região. Andando por essas estradas, o caminhoneiro vira seu melhor amigo. É ele quem estaciona para ajudar quando você enfrenta algum problema ou precisa arrumar sua bicicleta. Isso fez com que eu tivesse bastante contato com essas pessoas durante muitos anos. Mais tarde, fui estudar na Inglaterra e comecei a trabalhar no [banco] JP Morgan. Mas percebi que não estava feliz com a área de investimentos.

Avaliei o que realmente gostava de fazer e me lembrei dessa amizade com os caminhoneiros.

Pensando naquilo, percebi que os locais de parada dos caminhões funcionavam como um marketplace offline. As empresas buscavam transporte e os caminhoneiros estavam atrás de cargas, mas havia muitos conflitos: o caminhoneiro ficava boa parte do tempo com o caminhão vazio, rodando para procurar carga entre as praças, e o embarcador achava o preço do frete caro porque precisava subsidiar esse tempo vazio. Eu já trabalhava com tecnologia no banco e percebi que podia tentar resolver esse conflito usando meios digitais. Saí do banco em 2011, voltei para a América Latina e criei a Transportar Online, que foi a primeira versão da empresa.

NEGÓCIOS Como esse projeto inicial virou a Cargox?

VEGA A Transportar Online foi selecionada em um programa de startups do governo chileno, que aportou US$ 40 mil na empresa. Começamos a operar no Chile e posteriormente na Argentina. Mas esbarramos em alguns problemas, como o tama

NAS ESTRADAS, O CAMINHONEIRO VIRA SEU MELHOR AMIGO. É ELE QUEM ESTACIONA PARA AJUDAR QUANDO VOCÊ ENFRENTA ALGUM PROBLEMA

TUDO DIGITAL No modelo de negócios de Vega, a tecnologia serve para reduzir o tempo ocioso dos caminhões e, assim, a ineficiência do setor

nho muito pequeno do mercado. Acabamos saindo desses países em 2013. Trouxemos a empresa para o Brasil, adotamos o modelo de um marketplace B2B, intermediando os caminhoneiros com empresas de transporte que precisavam de mais opções para levar suas cargas. Adotamos o nome de Cargox, recebemos mais alguns investimentos e, a partir daí, passamos a crescer.

NEGÓCIOS Qual foi a maior dificuldade que você encontrou como empreendedor no Brasil?

VEGA Me lembro de ter escutado de um investidor cinco motivos pelos quais eu ia fracassar por aqui. O primeiro era que eu estava em um dos países mais complexos do mundo. O segundo era que eu estava em um dos setores mais complexos do país mais complexo do mundo (risos). Também ouvi que eu era de fora dessa área, ou seja, eu não entendia as particularidades do setor de transportes. O quarto ponto era que eu não falava português muito bem na época. E o quinto motivo do meu fracasso seria porque que eu era argentino (risos). O dia em que eu escutei isso foi um dos piores da minha vida.

Mas percebi, no entanto, que algumas daquelas supostas fraquezas eram na verdade justamente os meus pontos fortes. Muita gente diz que o mercado brasileiro é difícil, porque ele é muito complexo. Acredito que a complexidade e a burocracia podem ser as maiores amigas do empreendedor – elas são um sinal de que existem coisas que precisam ser solucionadas por alguém. Se em vez de reclamar você tentar resolver essa complexidade, o Brasil é o melhor mercado do mundo.

NEGÓCIOS Como resolveu a falta de conhecimento sobre o setor?

VEGA Passei três meses trabalhando nas paradas de caminhoneiros para aprender como eles estavam atuando na prática. Percebi, por exemplo, que o caminhoneiro trocava de celular pré-pago toda hora; isso mostrava que a assinatura dele no nosso serviço tinha que ser feita por CPF, e não pelo número de telefone. Como muitos desses celulares tinham pouca memória, a gente também precisava de um serviço web-based em vez de um aplicativo. Tudo isso só aprendi porque passei muito tempo com nossos usuários. Enquanto isso, os concorrentes, com 30 anos de mercado, eram arrogantes e achavam que sabiam tudo – quando na verdade não sabiam nada, porque o mundo estava mudando.

NEGÓCIOS Os transportes vivem um turbilhão no Brasil. Como navegar dentro desse mar revolto?

VEGA Nossa atuação ajuda em alguns desses problemas. O caminhoneiro fica até 65% do tempo rodando com o caminhão vazio e gastando diesel. Reduzindo esse tempo, eu o ajudo a diminuir o custo com combustível. Além disso, a digitalização do setor leva a uma depuração da qualidade, o que é muito bom. Os algoritmos de reputação do mundo online fazem com que o caminhoneiro bom ganhe muito mais dinheiro, e o caminhoneiro ruim tenha que sair do mercado.

NEGÓCIOS Com o novo aporte, em novembro, criou-se uma holding para abrigar três empresas: a Cargox, a Fretepago e a Fretebras. Qual é a lógica dessa nova organização? VEGA As três empresas atuam de modo independente, mas unificadas em termos de estratégia e parcerias. A Fretebras seria como uma espécie de Mercado Livre, conectando em

PASSEI TRÊS MESES TRABALHANDO NAS PARADAS DE CAMINHONEIROS PARA APRENDER COMO ELES ESTAVAM ATUANDO NA PRÁTICA

presas de transporte e caminhoneiros em um marketplace. Mas, além disso, talvez esses clientes também precisem de financiamento e serviços financeiros para capital de giro, ou talvez para arrumar o caminhão, para os pedágios e o diesel. Oferecemos esses serviços pela Fretepago, que seria uma espécie de versão do Mercado Pago. Já o foco da Cargox, desde 2019, é oferecer serviços para digitalizar esses clientes.

NEGÓCIOS Que tipo de serviços?

VEGA As transportadoras que contratam os caminhoneiros têm uma série de obrigações, como pagar o seguro, monitorar o caminhão, emitir documentação, fazer vistoria dos veículos. Isso tudo demanda equipes grandes e muita burocracia. A Cargox atua para levar tecnologia a essas operações, simplificando o processo e trazendo essas transportadoras para o mundo 2.0. Ainda na mesma comparação, é parecido com o que o Mercado Livre faz por meio da Mercado Shops, que ajuda o pequeno vendedor a se digitalizar.

NEGÓCIOS Como a empresa tenta reduzir o roubo de cargas, uma das principais preocupações das estradas brasileiras?

VEGA Em mais de 90% dos casos de roubo de carga, o próprio caminhoneiro ou a empresa estão envolvidos. Existem casos de transportadoras que roubam a própria carga, para fraudar o seguro, e de motoristas que fazem parte de quadrilhas. Evitamos isso fazendo o mesmo que um banco: checamos os antecedentes dos clientes, numa espécie de due diligence. Para qual empresa esse caminhoneiro já transportou? Quando? Qual tipo de produto? Tudo isso junto elimina 90% do roubo de cargas. Os outros 10% podem ser combatidos com algoritmos de machine learning, para levantar quais os lugares com maior risco. Por exemplo, é muito perigoso transportar cerveja no Rio de Janeiro durante o Carnaval, porque os bandidos roubam a carga e já vendem na praia. Sabendo disso com antecedência, as empresas podem usar escolta armada, se for o caso.

NEGÓCIOS Como os recursos do novo aporte entram na operação?

VEGA O plano inicial é aumentar a equipe. Hoje somos 1,3 mil pessoas e devemos crescer para 3,5 mil funcionários em um ano, especialmente para a área de tecnologia, com vistas a aumentar a segurança da plataforma. Um outro passo será começar a internacionalização do grupo. Temos muitos caminhões em nossa plataforma que vão para a Argentina e o Paraguai e depois voltam vazios, rodando sem carga por até 5 mil quilômetros. Queremos expandir para esses países, para encontrar viagens de retorno para eles.

NEGÓCIOS Tem planos para um IPO? VEGA No momento não tem nada. A gente está capitalizado, então não está no horizonte. Nós até já temos tamanho, como empresa, para um IPO, mas não temos a necessidade.

NEGÓCIOS Como você vê o panorama atual da economia brasileira? VEGA Apesar de tudo, estou otimista. Se você olhar a história do Brasil, já tivemos períodos históricos muito piores. E, para mim, a complexidade e a burocracia da economia e a instabilidade são as melhores amigas do empreendedor, porque geram oportunidades. Quanto pior o Brasil vai, melhor a oportunidade para nós, porque é um buraco que pode ser resolvido pelos empreendedores. Então estou otimista, até porque sou argentino e meu benchmark é bem baixo (risos).

HOJE PESSOAS SOMOS E DEVEMOS 1,3 MIL CRESCER PARA 3,5 MIL FUNCIONÁRIOS EM UM ANO, ESPECIALMENTE NA ÁREA DE TECNOLOGIA

FRETE .COM DEZ 2021 / JAN 2022

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