Epoca Negocios

Paulo Alencastro e Diego Martins, da UNICO

PARA DIEGO MARTINS E PAULO ALENCASTRO, COFUNDADORES DA UNICO, ENTENDER ESSE FATO LEVOU À REFORMULAÇÃO TOTAL DO NEGÓCIO – O QUE O PERMITIU CHEGAR À CATEGORIA DE UNICÓRNIO

CRISTIANE MANO

AAURA DE GLAMOUR EM torno das empresas que ultrapassam o valor de mercado de US$ 1 bilhão pode ofuscar o caminho tortuoso muitas vezes percorrido para chegar até lá. O caso da idtech unico (sim, com a primeira letra minúscula e sem acento) mostra a dimensão dos obstáculos que podem se colocar nessa trajetória. Diego Martins começou a empreender em 2007. Logo depois, juntou-se a ele Paulo Alencastro. Os dois construíram a empresa Acesso Digital, com a proposta de digitalizar documentos para grandes empresas.

Mas eles decidiram mudar tudo, uma década mais tarde. Diante da estagnação das vendas, a dupla reformulou o foco do negócio para a oferta de serviços de identidade digital. Não foi um caminho sem dor. Mais da metade dos funcionários pediu demissão. Para os que restaram, foi preciso criar uma metáfora radical: todos ali estavam numa ilha e haviam colocando fogo no barco. “Seria preciso construir uma nova forma de voltar à terra firme”, afirma Martins. “Hoje é superconfortável falar sobre usar mais essas tecnologias. Mas, em 2016, poderia parecer assustador”, diz Alencastro.

Depois de provar ao mercado que a transição havia dado certo, a companhia atraiu investidores apenas em 2020. A empresa recebeu um aporte de R$ 580 milhões, numa rodada liderada por Softbank e General Atlantic, em setembro de 2020. A pandemia ajudou a impulsionar os negócios de biometria e assinatura digital e, quase um ano mais tarde, os mesmos fundos injetaram mais R$ 625 milhões no negócio. A seguir, os principais trechos da conversa de Martins e Alencastro a Época NEGÓCIOS.

ÉPOCA NEGÓCIOS O que os levou a empreender?

DIEGOMARTINS Comecei a empreender com um sonho. Em 2006, eu era um gerente de 23 anos numa empresa. De uma hora para a outra fiquei quase três noites sem dormir porque sonhei que queria ser presidente. Falei para meus chefes na época: “Quero ser presidente. Dou um mês para vocês decidirem. Se não, vou embora”. Sem resposta, pedi demissão em janeiro de 2007. Pensei que o jeito mais rápido de ser presidente seria criar minha própria empresa. Levei nove meses para encontrar a ideia. Na companhia anterior em que eu trabalhava, fazíamos microfilmagem. Era um mundo relacionado a documentos físicos, e eu não conseguia entender por que as empresas grandes não adotavam tecnologias para guardar tudo digitalmente, já que existiam softwares para isso havia mais de dez anos. Percebi que o problema era a necessidade de contratar vários fornecedores, comprar licença, escâneres, servidor, consultoria. Era tão complexo que o cliente desistia. Criamos um modelo inovador naquela época, com cobrança de mensalidade, e oferecíamos tudo o que precisava na nuvem.

NEGÓCIOS E você, Paulo, como entrou na história?

PAULO ALENCASTRO Trabalhei por dez anos na [operadora de telefonia] Vivo. Foi lá que conheci o Diego, eu como cliente e ele como fornecedor da empresa em que trabalhava. Depois ele saiu para empreender e eu comecei a ajudá-lo, na amizade. Tinha acabado de mudar de Porto Alegre para São Paulo, e à noite não tinha o que fazer. Quando o primeiro sócio dele faleceu, ele me convidou para embarcar. Tomei coragem e fui. Naquela época, empreender não era tão legal, reconhecido, como é hoje. A minha família não entendeu por que estava trocando uma carreira sólida por algo incerto. Quando você começa um negócio do zero, você não tem nada.

NEGÓCIOS Como vocês se dividem no comando?

ALENCASTRO Em referência ao futebol, ele joga no ataque e eu, na defesa. Ele gosta de vender, criar produto. Eu gosto de cuidar das pessoas, dos processos.

NEGÓCIOS O modelo de negócios mudou completamente cerca de seis anos depois. O que aconteceu?

MARTINS Entre 2008 e 2015, só crescíamos. Depois disso, as vendas começaram a estagnar. Não conseguíamos entender por quê. Tive ali uma lição como empreendedor: o sucesso é perigoso. Porque você começa a achar que tudo vai continuar dando certo, sem fazer nada de diferente. Começamos a bater no teto do tamanho do mercado para aquilo que fazíamos. Pagamos o preço de ter acreditado que o nosso sucesso seria eterno só porque a gente tinha acertado lá atrás.

NEGÓCIOS Comofoiabuscaporumnovo caminho?

PAGAMOS O PREÇO DE TER

ACREDITADO QUE O NOSSO SUCESSO SERIA ETERNO SÓ PORQUE A GENTE TINHA ACERTADO LÁ ATRÁS

MARTINS Comecei a sentir que era difícil convencer o time que estávamos em crise. Vínhamos de um crescimento muito grande e ainda dávamos lucro. Éramos uma das melhores empresas para trabalhar havia muitos anos. Era complexo mexer em um lugar que estava acostumado a ganhar.

Até que surtei e falei: “Cara, não vou conseguir mudar enquanto estiver aqui dentro”. Chamei o time de liderança e disse que sairia para repensar o futuro da empresa. Até que tivesse uma visão nova, eu não voltaria. Acabei ficando três meses e meio fora.

NEGÓCIOS Mas você já sabia onde poderia encontrar a resposta?

MARTINS Não. Comecei visitando várias empresas novas no Brasil. Uma das primeiras foi o Nubank, ainda pequenininho. Tive várias conversas com o David [Vélez, cofundador]. Só depois de um mês decidi ir para o Vale do Silício, entender como estavam sendo construídas as empresas de base tecnológica mais disruptivas. Comecei a pensar que poderia colocar a unico nesse patamar de resolver um problema que ninguém tivesse resolvido antes. Tínhamos uma plataforma na qual as empresas poderiam digitalizar qualquer tipo de documento. E percebemos que, apesar de poder digitalizar qualquer documento, mais de 50% do material era de documentos de pessoas. As pessoas tinham que ir várias vezes, apresentar em vários locais diferentes os documentos para serem digitalizados. Quando alguém era contratado, quando pedia crédito, quando tinha de abrir uma conta, quando comprava uma linha de celular e assim por diante. Todas sofriam muito com a constante apresentação de documentos, e ainda assim o Brasil era um país superproblemático no sentido de falsidade ideológica.

Começamos a descobrir que em alguns países no mundo estava sendo fomentando aquele assunto da identidade digital para as pessoas. Em 2016, decidimos entrar nessa perspectiva de oferecer uma identidade digital.

NEGÓCIOS O que foi possível aproveitar da estrutura original?

MARTINS Quando voltei, falei que iríamos parar de vender nosso produto original. Mas não tínhamos outro produto ainda. Naturalmente, a empresa começou a reduzir de tamanho todos os meses. Minha estratégia era concentrar toda a energia física, emocional e intelectual no novo caminho. Passamos a usar a metáfora de que havíamos chegado até uma ilha e estávamos queimando o barquinho para voltar. A única saída era construir um novo jeito de voltar para a terra firme. Logo depois, 70% dos funcionários foram embora, por conta própria. Provavelmente, pensaram: “o cara voltou maluco e não quero estar aqui pra ver”. O que aproveitamos? Os clientes, grandes varejistas, grandes bancos e as operadoras de telefonia. Usamos nossos clientes para testar produtos novos, e foi dando certo. O primeiro produto que criamos foi para a contratação. Percebemos que ser contratado em uma empresa era mais burocrático do que abrir uma empresa. Eliminamos a necessidade de a pessoa ter de ir fisicamente à empresa – era possível fazer tudo de casa e tinha um ID para ser aproveitado no futuro, logicamente com a autorização dela. Depois criamos a autenticação biométrica, para proteção contra fraudes. Principalmente no varejo, onde as pessoas se utilizavam de muito crédito e era fácil se passar por outra.

NEGÓCIOS Como foi gerenciar essa transição internamente?

ALENCASTRO Foi superdificil. Quando você constrói o futuro tecnológico,

EM DEZEMBRO DE 2018, QUASE FECHAMOS A PRIMEIRA RODADA. NA HORA DE ASSINAR, DESISTIRAM. FOI UMA

FRUSTRAÇÃO GIGANTE

você não tem os elementos para ver tudo o que está por vir. Por exemplo, legislação de dados a gente ainda não tinha. Hoje é superconfortável, depois de um cenário de ter que usar mais essas tecnologias. Mas, em 2016, poderia parecer assustador. Um pensamento era inevitável: será que a gente está enxergando o mundo como ele vai ser, ou só estamos aqui delirando?

NEGÓCIOS Teve alguma medida para conter a saída das pessoas e motivá-las?

ALENCASTRO Passamos a oferecer ações da empresa para funcionários com bons resultados. Oferecemos isso para todo o time e usamos para quem estamos contratando, para reconhecer quem se destaca, e também temos uma camada adicional para adicionar os melhores à holding da unico. Hoje existe uma holding com 22 profissionais, que trabalham na companhia, e esse se tornou o nível máximo de reconhecimento dentro dessa jornada. Temos cerca de 230 pessoas com algum tipo de partnership dentro da companhia.

NEGÓCIOS Como vocês, pessoalmente, tiveram a convicção de que estavam no caminho certo?

MARTINS Em 2016, conheci um cara chamado Nelson Matos, um brasileiro que fazia parte do conselho do Google, tinha sido vice-presidente de produto e engenharia e trabalhado com os fundadores. Ele entendeu para onde a gente estava indo e disse que estávamos no caminho certo. Falei pra ele: quer ser meu chefe? No ano seguinte, ele começou a trabalhar comigo. Hoje é um dos conselheiros e sócios da empresa.

NEGÓCIOS rente?

O que você teria feito dife

MARTINS Hoje eu teria mais casco emocional para saber que seria natural que algumas pessoas discordassem. E talvez tivesse mudado dois anos antes, acho que estaríamos mais longe.

NEGÓCIOS E como foi obter o primeiro cheque de investidor, em 2020? MARTINS Não foi nada óbvio nem agradável. Mas foi superimportante. Em dezembro de 2018, quase fechamos nossa primeira rodada. Na hora de assinar, desistiram. Disseram que não tínhamos gente sênior o suficiente para construir o sonho que estávamos vendendo. Foi uma frustração gigante. No ano seguinte, estava decidido a reverter isso em um outro patamar e começamos a ir atrás de grandes fundos, com cheques muito maiores. Não estávamos prontos para falar com esses fundos gigantescos e comprovar, em um nível que eles aprovassem, o que já estávamos entregando. Era um monte de caipira achando que estava arrasando e, no fim das contas, tomamos um monte de toco em 2019.

No final de 2019, recebemos uma primeira e única proposta. Estávamos pedindo US$ 50 milhões, e o e-bricks ofereceu US$ 30 milhões. A partir daí, conseguimos focar em crescimento. E o dinheiro começou a vir mais naturalmente.

NOSSO GRANDE

SONHO É CRIAR UMA

IDENTIDADE GLOBAL,

COM A QUAL AS

PESSOAS CONSIGAM

SE TORNAR CIDADÃS

DO MUNDO

NEGÓCIOS Qual o grau de convicção e resiliência que o empreendedor tem de ter para chegar onde chegaram? ALENCASTRO Sem uma motivação muito forte, você para ou vende.

NEGÓCIOS O que vocês projetam para os próximos anos?

MARTINS Nosso grande sonho é criar uma identidade global, com a qual as pessoas consigam se tornar cidadãs do mundo e não dos países. Assim como a Uber, que criou uma plataforma global. E como as criptomoedas, que têm essa pretensão. Há uma etapa de consolidação no Brasil, e tenho o sonho de levar isso para o mundo.

SUMÁRIO

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2021-11-30T08:00:00.0000000Z

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