Epoca Negocios

Gustavo Chamati, do MERCADO BITCOIN

CRIADA EM 2013, QUANDO FALAR EM CRIPTOMOEDA ERA UM DELÍRIO, A FINTECH SOUBE APROVEITAR A VANTAGEM DE LARGAR NA FRENTE

POR HUMBERTO MAIA JUNIOR

GUSTAVO CHAMATI TINHA 31 anos em 2013 quando ficou fascinado com uma matéria de revista sobre bitcoin. Na época, era CFO de um escritório de advocacia, mas queria deixar o emprego para empreender. “Não entendia o conceito de moeda digital, mas fiquei interessado”, conta. Seu sonho, desde os tempos de estudante de administração de empresas na Universidade de São Paulo, era montar do zero uma empresa inovadora. Juntou suas economias com as do irmão Maurício e abriu o Mercado Bitcoin, hoje a maior plataforma brasileira de negociação de ativos digitais. Gustavo cuidava do negócio e Maurício da tecnologia. De lá para cá, a dupla surfou nas enormes ondas – muito mais de alta que de baixa – que o bitcoin vem experimentando até hoje. Com 3 milhões de clientes e valor de mercado estimado em US$ 2,1 bilhões, o Mercado Bitcoin se tornou unicórnio em julho último.

Em 2019, os dois irmãos deixaram o comando do Mercado Bitcoin e estão no conselho da holding controladora. Abaixo, Gustavo conta um pouco da história da empresa e responde se ficou mais rico pelo negócio ou acumulando bitcoins.

ÉPOCA NEGÓCIOS Como foi seu primeiro contato com uma criptomoeda? GUSTAVO CHAMATI A primeira vez que vi algo sobre bitcoin foi numa revista. Na época nem entendia o conceito de moeda digital. Mas, por pura curiosidade, passei a estudar o assunto. Depois vi que bitcoin era muito mais do que uma moeda virtual. Na verdade, era uma tecnologia inovadora que busca resolver um problema que nenhuma tecnologia tinha resolvido antes, que é a posse e a transmissão de posse de uma propriedade digital. Tinha um conceito revolucionário, que estabelecia um novo paradigma para tudo que vem sendo realizado hoje com base em blockchain e criptoativos.

NEGÓCIOS E quando a curiosidade evoluiu para um negócio?

CHAMATI Desde a faculdade de administração eu estudava modelos de negócios buscando algo em que valesse a pena empreender. Sempre quis ser um empreendedor. Naquela época, a indústria de venture capital era pouco desenvolvida no Brasil. O empreendedor tinha que juntar dinheiro e investir os próprios recursos para abrir um negócio. Eu tinha juntado algum dinheiro, mas queria investir em algo em que eu acreditasse de verdade. Algo que fosse diferente e inovador. E o bitcoin era muito inovador, me interessou muito. Depois de estudar e entender como ele funcionava, tive certeza de que estava diante de algo com potencial para ser revolucionário e não quis deixar passar a oportunidade de atuar com essa nova tecnologia. A maneira de fazer isso foi começar com uma exchange, um site para aproximar quem tivesse interesse no assunto e fazer a intermediação entre vendedores e compradores. Na época, início de 2013, só existia o bitcoin.

NEGÓCIOS Quais foram os desafios nessa fase inicial?

CHAMATI O que diferencia a história do Mercado Bitcoin das outras startups é que a gente estava lidando com uma tecnologia nova. Não tinha ninguém que dominasse o assunto, nem algum modelo de negócios que pudéssemos tomar como referência. Tudo era muito novo. Precisávamos de pessoas capazes de aprender sozinhas sobre a tecnologia. Esse foi o principal desafio no início. Entender e dominar uma tecnologia tão nova era outro desafio. O propósito de prestar um grande serviço às pessoas também era desafiador.

NEGÓCIOS Montar o site foi muito complicado?

CHAMATISEM dúvida. Ele deveria ser uma bolsa de negociações, que aproximasse compradores e vendedores e efetuasse operações de crédito e débito de maneira instantânea. Do ponto de vista da tecnologia necessária, era um desafio grande, principalmente tendo que fazer isso com recursos escassos. Éramos uma startup com cinco pessoas trabalhando para colocar tudo em funcionamento. E, como pioneiros, não tínhamos para onde olhar e buscar apoio. Tínhamos que estudar, debater e tomar as decisões a partir de nosso próprio julgamento. Entender como atender os clientes e, ao mesmo tempo, divulgar a tecnologia.

FUNDAR A EMPRESA

QUANDO QUASE NINGUÉM

CONHECIA BITCOINS FOI

UM ENORME DESAFIO – MAS

TAMBÉM UMA VANTAGEM

NEGÓCIOS Num país em que a poupança ainda atrai muitos pequenos investidores, completamente avessos ao risco, como foi convencer as pessoas a comprar criptomoedas? CHAMATI Foi muito difícil. No fundo, até hoje a gente tem dificuldade em explicar o bitcoin como tecnologia, imagine como era para o público em geral. Uma das dificuldades no início do bitcoin foi ter sido tachado como criptomoeda e não como um ativo digital. Era difícil explicar a tecnologia por trás e ir além da ideia de ‘moeda virtual’. No começo, nossos clientes eram geeks, os early adopters, as pessoas que estavam dispostas a estudar o assunto pensando num possível investimento ou só por curiosidade mesmo. Depois passamos a oferecer outras criptomoedas e blockchains que ajudaram a trazer a indústria para o patamar atual.

NEGÓCIOS Quais eram as principais dúvidas das pessoas?

CHAMATI Queriam saber se bitcoin era legal ou não, se existia alguma forma de insegurança na tecnologia, se ela podia ser hackeada. Tivemos que ser muito criativos e didáticos na comunicação para atrair clientes.

NEGÓCIOS Demorou para mudar essa visão?

CHAMATI Os três primeiros anos foram muito difíceis. Com o passar do tempo, o bitcoin foi se popularizando e interessando as pessoas que buscavam uma nova forma de investimento. O surgimento de outros criptoativos no mercado também ajudou a trazer a indústria para o patamar atual. Com isso, conseguimos nos posicionar como líderes no Brasil e construir uma imagem de credibilidade com os nossos clientes.

NEGÓCIOS Quando o negócio começou a deslanchar?

CHAMATI Foi em 2017, que eu chamo de boom da pessoa física, quando o bitcoin teve uma valorização exponencial num período curto. Ali o bitcoin se popularizou no mundo todo, alcançou a grande mídia, passou a ser debatido de maneira ampla e entrou no mainstream. Com isso conseguimos atrair uma base de clientes muito grande, aumentando o tamanho da empresa de maneira gigantesca. Começamos o ano com oito colaboradores e terminamos com 90. E crescendo numa base de 60 vezes em métricas de faturamento, número de clientes e volume negociado. Estávamos bem posicionados e soubemos escalar a plataforma e os serviços para nos distanciarmos como líderes no Brasil.

NEGÓCIOS Como foi sair de 8 para 90 funcionários em menos de um ano?

CHAMATI Foi uma loucura. Como não havia tempo para treinar as pessoas, principalmente o pessoal de tecnologia, muitas áreas que precisavam ser automatizadas para ganhar escala tiveram que crescer na força bruta. Contratamos muita gente para tapar os gaps e atender os novos clientes. Fazíamos o processo de seleção no domingo para que a pessoa começasse na segunda-feira, com treinamento em pleno voo. O aprendizado era na prática. Nesse momento não tínhamos tempo para planejar. Crescemos de maneira desordenada. Conseguimos melhorar a estrutura e a gestão só em 2018, quando houve uma acomodação do crescimento.

NEGÓCIOS O que fizeram para melhorar a gestão?

CHAMATI A gente procurou ajuda para se estruturar de uma maneira, não diria mais profissional, mas buscando conhecimento e capacidades

A MOEDA VIRTUAL

SÓ SE POPULARIZOU

EM 2017, ANO EM QUE

O MERCADO BITCOIN

MULTIPLICOU POR

11 O NÚMERO DE

COLABORADORES

que a gente não tinha. Fizemos isso por meio da criação de um conselho com pessoas de mercado financeiro e regulação. Algumas dessas pessoas se tornariam sócias pouco tempo depois. Com isso ampliamos a visão do nosso negócio, saindo de uma exchange para a criação de um ecossistema baseado na tecnologia blockchain para melhorar serviços do mercado financeiro.

NEGÓCIOS Hoje quais são os desafios para crescer?

CHAMATI Estamos vivendo um novo ciclo de expansão no mercado de criptomoedas, que foi o que mais cresceu no mundo no ano passado. Nós também aceleramos nosso crescimento, aumentando a equipe de 180 para quase 700 pessoas ao longo desse ano. O desafio agora é conciliar esse crescimento com velocidade de entrega e criação de produtos para nos tornarmos, de fato, uma empresa global capaz de atrair os melhores talentos. A gente se tornou unicórnio numa rodada de captação com o Softbank no início de julho de 2021, e desde então estamos com o pé fundo no acelerador. Mas só vamos começar a ver resultado daqui a alguns meses.

NEGÓCIOS Os criptoativos já atingiram um estágio de maturidade?

CHAMATI Eu percebo que já existe muito mais conhecimento a respeito da tecnologia de criptoativos hoje. Muita coisa nova construída nesses últimos anos conseguiu ganhar escala de maneira rápida. A tecnologia blockchain, por exemplo, serve para qualquer aplicação que possa representar um direito ou uma propriedade digital. Temos arte digital sendo construída, assim como vários jogos baseados em blockchain. Os criptoativos trouxeram uma total mudança de paradigma. E quanto mais eles se desenvolverem e ganharem escala, mais serão usados no nosso dia a dia. Até chegarmos ao ponto de não sabermos mais no que o blockchain pode ser usado. Da mesma forma que as pessoas nem se dão conta mais do protocolo TCP/IP [principal protocolo de envio e recebimento de dados na internet].

NEGÓCIOS Quais as novas frentes de crescimento?

CHAMATI Queremos cada vez mais trazer criptoativos e serviços relacionados ao blockchain para o dia a dia. Queremos ajudar a construir uma infraestrutura para essa nova economia digital que está só começando. A gente quer ser a ponte entre o mercado financeiro tradicional e esse novo universo. Além disso, estamos tocando um plano de internacionalização. Já estamos atuando em algumas frentes para nos tornarmos uma empresa global, de fato. Nos próximos meses teremos novidades.

NEGÓCIOS Você está envolvido com criptomoedas há muitos anos. Ganhou mais dinheiro com a valorização dos seus próprios investimentos ou com os negócios do Mercado Bitcoin?

CHAMATI Uma piada que fazemos é que, se com o dinheiro usado para abrir a empresa tivéssemos comprado e mantido bitcoins, teríamos ganho mais e trabalhado bem menos. Mas, respondendo à sua pergunta: não ganhei muito dinheiro aplicando em criptoativos ao longo de nossa história, porque sempre estive muito mais envolvido na construção da empresa. Até porque, no início, todo o nosso dinheiro precisava ir para o negócio, até começar a ser lucrativo e gerar caixa, o que ocorreu ao longo de 2017. Meus rendimentos se devem muito mais à construção da empresa.

COMPRAR BITCOINS EM 2013 PODERIA TER DADO MAIS LUCRO QUE A EMPRESA? “TALVEZ, NUNCA CALCULAMOS”, DIZEM OS SÓCIOS

SUMÁRIO

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2021-11-30T08:00:00.0000000Z

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