Epoca Negocios

UM PONTO CRÍTICO É CRIAR A CULTURA CERTA PARA QUE A EMPRESA-MÃE TIRE PROVEITO DA PARCERIA SEM ATRAPALHAR O DE

MESMO NOMES QUE NÃO COSTUMAM SER ASSOCIADOS À IDEIA DE INOVAÇÃO DISRUPTIVA TAMBÉM ESTÃO PASSANDO CHEQUES PARA STARTUPS

cliente do governo ou do setor financeiro. Mais: você corre o risco de ficar desatualizado se restringir sua área de atuação.”

Essa é outra característica importante do investimento de risco bem-feito. Como uma mãe ou um pai, o dono do fundo tem de pegar a startup pela mão e ajudá-la em sua jornada, mas não projetar nela suas inseguranças ou frustrações. Foi com essa liberdade que a Tempest transformou-se num ótimo negócio. A companhia cresce quase 50% ao ano, e a meta é atingir R$ 1 bilhão de faturamento anual até o fim da década. Daniel Franco, diretor de tecnologia e inovação da Dexco, holding que detém marcas como Duratex, Deca e Hydra, fala de uma “distância ótima” dos empreendedores de quem vira sócio. “Meu peso corporativo não pode interferir no crescimento deles, e tudo o que eu puder oferecer para acelerar o crescimento estará à disposição.”

A Dexco acaba de anunciar seu CVC, batizado de DX Ventures. Franco afirma que o fundo “não é financeiro” (mas é claro que ele não vai reclamar se alguma companhia do seu portfólio virar um unicórnio). Na realidade, ele se refere às maneiras de medir a contribuição real das participações. A remuneração do gestor do fundo não está só atrelada ao aumento do valuation das companhias, mas sim a metas de contribuição com a estratégia da Dexco. “Pode ser aprendizado de mundo digital, de novos modelos de negócio, de tecnologias de venda direta e assim por diante”, afirma Franco.

Uma diferença mais relevante entre o projeto da Dexco e de outras companhias ouvidas por Época NEGÓCIOS é o tamanho dos aportes. Franco espera fazer cinco cheques de cerca de R$ 20 milhões, um valor acima dos típicos R$ 3 milhões ou R$ 5 milhões (o DX Ventures ainda não anunciou a primeira startup do portfólio). Ainda assim, a ideia segue um padrão que se nota nessa primeira grande onda do VC corporativo no Brasil: preferir empreendimentos iniciantes, na fase semente ou na primeira rodada de valor maior (conhecidas como seed e série A).

LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA

De acordo com o levantamento da ABVCAP, 80% das unidades de CVC reservaram R$ 50 milhões para os investimentos. “É natural testar a temperatura da água antes de mergulhar”, afirma Kokron, da Qualcomm Ventures. Nos Estados Unidos, além de essa modalidade existir há mais tempo, alguns CVCS ficam à vontade para entrar nas séries B e C, às vezes até depois. Quanto mais jovem a startup, maior o risco de que ela não vingue. O índice de mortalidade dos fundos sendo criados no Brasil hoje só poderá ser calculado daqui a alguns anos. Até lá, as companhias também aprenderão outra virtude do capital de risco: a paciência.

O desinvestimento pode acontecer via IPO, venda ou até mesmo a compra do restante das ações. Mas a aquisição de uma integrante do portfólio de startups investidas não é a regra, diz Seiffert, da Valetec: “Tradicionalmente, isso acontece em uns 20% dos casos”. Além do risco de morte, o empreendedor pode mudar o plano de negócios radicalmente, para algo que não faça mais sentido para a empresa-mãe. E é preciso ter moderação no apetite. Quem busca resultado

imediato precisa pensar em M&A. As duas abordagens não são excludentes (leia mais sobre M&AS na pág. 84). Companhias acostumadas a crescer via aquisições também estão olhando para o CVC. A produtora de software para o setor financeiro Sinqia anunciou em janeiro o fundo Torq, de R$ 50 milhões. A Locaweb, comandada por Fernando Cirne, adquiriu 12 startups desde fevereiro do ano passado – e se prepara para anunciar publicamente seu fundo nas próximas semanas.

CLUBE DE INVESTIMENTOS

E o CVC não precisa ser necessariamente exclusivo (veja mais sobre as modalidades de compartilhamento na pág. 75). O FIP Aeroespacial da Embraer, por exemplo, também tinha três outros cotistas: BNDES, Finep e a agência de fomento Desenvolve SP, do governo do estado. Este foi o modelo adotado pelo WE Ventures, uma iniciativa liderada pela Microsoft que também tem recursos do laboratório Sabin, da fabricante de sensores Flex, da varejista Multilaser, da fabricante de respiradores Magnamed e da seguradora Porto Seguro. Mas a maior diferença do WE Ventures para os outros CVCS é a sua missão principal: apoiar companhias comandadas por mulheres (WE vem de women entrepreneurship, ou empreendedorismo feminino).

“As startups lideradas por mulheres recebem menos de 3% dos investimentos de risco, mas entregam o dobro do retorno”, afirma Franklin Luzes, COO da Microsoft Brasil e responsável pelo fundo. “Acreditamos em atuar de forma deliberada para que essa situação mude. Tenho duas filhas e quero criar um mundo diferente para elas.” A linha de corte do WE Ventures é ter 20% do capital social da empresa na mão de mulheres, ou

pelo menos uma diretora entre os altos executivos.

O fundo é comandado por Marcella Ceva, conta com uma equipe de oito conselheiras e faz chamadas relacionadas aos negócios de seus cotistas. A Packid, que faz monitoramento de temperatura e umidade do transporte de cargas, aproveita os conhecimentos da Microsoft em inteligência artificial e de sensores da Flex, diz Luzes. Desde seu estabelecimento, há um ano e meio, o WE Ventures já fez quatro investimentos. Além dos aportes das fases seed e série A, o fundo reserva uma parte para investimentos-anjo. O objetivo é dar o primeiro empurrão em empresas recém-nascidas. Mas Luzes diz que não faltam empreendedoras no Brasil: “Quando me perguntam se tenho onde investir, mostro dados. O primeiro processo seletivo que fizemos recebeu 924 inscrições. O segundo, 300”.

Compartilhar ou terceirizar a gestão de um fundo é uma maneira de minimizar o conflito entre as características inerentes ao capital de risco e ao negócio. Lidar com risco o tempo todo não faz parte do modus operandi das grandes corporações. O estresse em conciliar os objetivos estratégicos com os financeiros em algum momento pode se tornar insustentável. A Oracle, uma das mais famosas companhias de software do Vale do Silício, trocou um fundo de US$ 500 milhões para compra de participações por um programa de aceleração de startups, em 2016. Um executivo justificou a decisão da seguinte maneira, na época: “Ganhamos dinheiro em alguns investimentos, mas a maioria não deu certo”. Hoje, o programa oferece acesso com desconto a serviços da Oracle para o desenvolvimento de produtos e acesso a investidores e clientes que fazem parte do ecossistema da companhia. A empresa faz parte de uma minoria, no entanto. Hoje, mais de 70% das empresas listadas entre as cem maiores dos Estados Unidos pela lista da americana Fortune investem em venture capital, e mais da metade possui um braço próprio para fazer isso.

Depois de várias falsas largadas nas duas últimas décadas, tudo indica que os fundos corporativos vão se estabelecer como mais uma parte do ambiente da inovação também no Brasil. Sandro Valeri, da Fator Elo, diz já ter sido procurado espontaneamente por “dezenas” de companhias curiosas no assunto. Mas ainda falta um entendimento mais claro do que é venture capital corporativo. “Quando conversamos com pessoas da área de inovação, a conversa é uma. Já se o papo é com os altos executivos, C level, ainda temos de avançar.” Mas o próprio fato de haver interesse pela inovação aberta é um sinal de transformação. Como Andy Grove há três décadas, os executivos brasileiros perceberam que a paranoia é questão de sobrevivência.

CAPA CORPORATE VENTURE CAPITAL

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2021-09-01T07:00:00.0000000Z

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