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SERÃO NECESSÁRIAS DOSES INTENSIVAS DE HUMILDADE E INOVAÇÃO PARA QUE OS SERVIÇOS PÚBLICOS MELHOREM E FAÇAM JUS À ALTA CARGA TRIBUTÁRIA DO BRASIL

Precisamos com urgência de atitude customer centric nos nossos governos

OGOVERNO DO BRASIL espera arrecadar R$ 1,8 trilhão em 2021. Isso é muito ou pouco? Depende do ângulo. A métrica mais difundida para avaliar a questão é a carga de tributos em relação ao PIB. No Brasil, a carga, só do governo federal, correspondeu no ano passado a 21% do PIB, o que já está em linha com a arrecadação total de países como Chile e Irlanda, e não tão distante dos 24% dos Estados Unidos. Mas os brasileiros ainda encaram os tributos estaduais e municipais, o que eleva a nossa carga total para 32% do PIB – e podendo aumentar com a reforma tributária em discussão neste momento. No nível atual, a carga já supera a de nações mais desenvolvidas que a nossa, como Austrália, Coreia do Sul e Israel, e nos aproximamos de outras como Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido. Estamos também próximos da carga tributária média da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que inclui os países mais desenvolvidos do mundo. Estamos usando mal o dinheiro arrecadado. Cobramos impostos de países ricos, mas entregamos serviços de países pobres. O Brasil fica na última posição – a trigésima entre 30 países avaliados – do ranking do Índice de Retorno de Bem-estar à Sociedade, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, que usa a carga tributária e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no cálculo.

Podemos até adotar outra métrica, mais amigável à situação dos gestores públicos brasileiros. Podemos observar a arrecadação em valores absolutos. O governo federal da Alemanha arrecada por ano cerca de R$ 2,5 trilhões (390 bilhões de euros); o governo federal do Japão chega perto dos R$ 2,9 trilhões ( 58 trilhões de ienes). Ou seja, ambos “faturam” mais que o governo federal brasileiro e precisam oferecer serviços a populações menores – respectivamente, 83 milhões e 126 milhões de habitantes (e encolhendo), ante os nossos 215 milhões (e crescendo). Alemães e japoneses também sofrem menos com a pobreza e dependem menos de serviços públicos. Desse ponto de vista, o governo brasileiro parece enfrentar um desafio maior para cuidar de suas obrigações. Temos lacunas demais, em frentes tão distintas como saneamento, transporte e energia. Faltam servidores públicos na ponta, atuando como fiscais ambientais, assistentes sociais, médicos, professores, policiais federais. Nenhum brasileiro razoável espera que o governo tente resolver apenas com mais gasto todos os problemas existentes. Mas isso não desculpa as falhas de gestão pública que vemos por aqui. Existem 73 tipos de tributos no Brasil. Se não é possível diminuir a carga tributária no momento, reduzir ao menos a complexidade tributária deveria ser um mantra em Brasília, e em todos os governos estaduais e prefeituras. O sistema precisa se tornar mais simples, ano após ano e com metas de curto, médio e longo prazo, a fim de facilitar os negócios no país. Mas essa questão sempre fica para depois, a cada rodada de discussão sobre a situação fiscal e a cada nova proposta de reforma tributária.

A comunidade de negócios conhece muito bem a situação com que o gestor público lida: ter muito a fazer, com recursos aquém do necessário (não só dinheiro, mas também tempo, cérebros e conhecimento). Essa situação – escassez – é normal para a maioria dos empreendedores. Enfrentá-la exige criatividade, inovação e disciplina para fazer experiências.

Como podemos sair dessa situação de vez? Governantes e altos funcionários públicos, nas três esferas, deveriam assumir que fazem péssimo papel no atendimento a seus “clientes” – os pagadores de tributos, as 19,9 milhões de empresas e os 215 milhões de cidadãos no país. Precisamos de mais gente nos governos com visão “customer centric”.

Além dessa muito necessária dose de humildade, servidores públicos deveriam se abrir a novas formas de trabalhar, novos processos e novas tecnologias. A Estônia impressiona o mundo há anos pela velocidade com que faz sua transformação digital – a nação inteira, incluindo o governo e os serviços públicos. O país hoje se apresenta ao mundo como uma “república digital”. A Estônia é minúscula em comparação com o Brasil (tem apenas 1,3 milhão de habitantes). Mas conseguiu avançar na digitalização de forma muito mais acelerada que outros países igualmente pequenos e bem mais ricos. Há excelentes práticas ao redor do mundo. Funcionários públicos fazem bonito ao experimentar aplicações de inteligência artificial na Austrália, novos modelos para prospectar cenários na União Europeia, uso de dados para segurança das mulheres no Chile, ensino de habilidades STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática) a minorias no Canadá. No Brasil, volta e meia aparecem casos extraordinários de funcionários públicos criativos descobrindo como prestar ótimos serviços mesmo em meio à escassez. Precisamos – a sociedade inteira, incluindo os empreendedores – ajudar as boas iniciativas isoladas a se multiplicarem e se tornarem padrão. É desse esforço, que inclui distribuição de riqueza e valorização do cidadão, do empreendedor, do empresário e do investidor, que pode nascer um país diferente, com bem-estar e justiça social.

SUMÁRIO

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2021-09-01T07:00:00.0000000Z

2021-09-01T07:00:00.0000000Z

https://epocanegocios.pressreader.com/article/282239488728510

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