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HORA DE LEVAR TUDO PARA CASA

PARA COMPOR SUAS ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO, AS EMPRESAS TÊM SE DIVIDIDO ENTRE INVESTIMENTO DE RISCO E AQUISIÇÃO INTEGRAL DE STARTUPS, OUTRO MOVIMENTO EM ALTA

Estratégias de inovação aberta vêm incluindo a aquisição acelerada de empresas jovens

EEXISTE UMA OUTRA transformação acontecendo em paralelo ao crescimento dos fundos corporativos de capital de risco. As empresas estão indo às compras – e as startups passaram a ser alvos preferenciais. O impacto da tecnologia digital nas mais diversas áreas dos negócios significa uma multiplicação das potenciais rupturas – e também das oportunidades. Na prática, isso se traduz em senso de urgência. Basta olhar para o que anda fazendo o Magalu. Desde o começo do ano passado, a empresa adquiriu 21 startups, que vão de fintechs a plataformas de games e portais de conteúdo. Neste ano foram 11 até o final de julho. Todos os empreendedores, até agora, permaneceram no negócio. A ideia ao adquirir essas empresas é construir um “ecossistema digital”, como nomeou um relatório do banco Goldman Sachs, similar ao que se vê em empresas como a chinesa Alibaba. “Não queremos que a empresa jogue meio período com a gente. Queremos que ela tenha foco e consiga dar voos mais longos”, afirma Thiago Catoto, diretor de tecnologia da informação do Magazine Luiza, que faturou R$ 43,5 bilhões em 2020.

A varejista se tornou o maior exemplo recente dessa obsessão por fusões e aquisições (ou M&A, na sigla em inglês) no país, uma das características mais essenciais das grandes empresas de tecnologia do mundo. Comprar é um modo de vida no Vale do Silício. Alguns negócios mudam os rumos da indústria, como a aquisição do Youtube pelo Google, em 2006, ou a do Instagram pelo Facebook, em 2012. Mas a movimentação vai muito além desses blockbusters. Só este ano, a Microsoft já adquiriu oito companhias, ou uma por mês. A lista inclui negócios superespecializados, como a Refirm Labs, que desenvolve sistemas de segurança para a internet das coisas, ou a Suplari, uma startup que usa inteligência artificial para analisar despesas corporativas. As cinco maiores empresas de tecnologia americana – Facebook, Amazon, Apple, Microsoft e Google – compraram 165 startups de janeiro de 2016 a julho de 2021, segundo a Crunchbase, num levantamento que considerou apenas negócios com valores reportados. Juntos, os negócios somaram cerca de US$ 27 bilhões.

Essa deve ser cada vez mais uma realidade também no Brasil, começando pelo setor de tecnologia. Dados da Distrito mostram que aconteceram 170 aquisições de startups em 2020 (veja quadro). Neste ano, foram 113 até junho. A projeção é que o total chegue a 250 até dezembro. “Quando decidimos olhar para um novo mercado, fazemos uma pergunta: ‘Em casa ou fora?’”, diz Fernando Cirne, CEO da empresa de serviços Locaweb. “Se decidirmos pela aquisição, é porque aquele segmento está muito avançado. Poderíamos fazer nós mesmos? Sim, mas o diretor me diz: ‘Fernando, vai demorar três anos’. Incluindo o custo da oportunidade de deixar de vender, fica mais barato comprar do que tentar desenvolver internamente.”

A Locaweb abriu o capital em fevereiro do ano passado, e um de seus objetivos era justamente obter o dinheiro para adquirir empresas que completassem sua oferta. Desde então, a companhia investiu R$ 1,03 bilhão na compra de 12 empresas. E a procura de novos alvos continua. Cirne afirma que, todo mês, de 50 a 70 empresas passam pelo filtro da Locaweb. A maioria é descartada. Com uma ou duas, as conversas avançam. “Nosso pipeline está muito aquecido. Temos memorandos de entendimento assinados ou em vias de assinar com seis empresas”, afirma Cirne, em referência a um estágio em que o namoro fica sério.

Bruno Pina, diretor de experiência em inovação da Distrito, uma empresa que aproxima o mundo corporativo do ambiente das startups, aponta uma diferença fundamental entre os fundos de corporate venture capital e

as aquisições. “A startup se encaixa no core do seu negócio e você precisa disso agora para dar o próximo passo estratégico? M&A. Bota pra dentro”, diz Pina. “Agora, se o negócio é bom, mas ainda precisa de maturidade de ambas as partes, ou seja, da própria empresa e da startup? Investimento de risco.”

Pina aponta que as duas iniciativas não são excludentes, pelo contrário. A Locaweb acaba de anunciar seu fundo de investimento de risco. A brasileira Sinqia, fornecedora de software para o setor financeiro, também. A companhia sempre baseou sua estratégia na compra de peças complementares à sua oferta. Desde 2005, foram 20 empresas absorvidas. Em janeiro, a Sinqia, listada na B3 com valor de mercado de R$ 1,8 bilhão, também anunciou a abertura de um fundo de R$ 50 milhões para apostas de risco.

No Méliuz, o foco por enquanto é em M&A. “E não se trata somente de trazer novas tecnologias ou de aumentar nossa base de usuários”, diz Luciano Valle, diretor de relações com investidores da empresa. “Em alguns casos, a conta é 1 + 1 = 30.” O Méliuz nasceu como uma companhia de cashback e cupons de desconto, mas vem ampliando suas ambições desde a abertura do capital, em novembro do ano passado. No final de julho, o Méliuz anunciou a compra da Alter, uma corretora de criptomoedas e mais uma peça em sua oferta de serviços financeiros. “O principal é trazer o conhecimento desses novos mercados, para alavancar o que já fazemos bem.”

A decisão também tem de levar em conta não só o encaixe estratégico, mas também a cultura. Algumas startups mantêm uma independência relativa, mas outras serão de fato integradas – inclusive dividindo o mesmo espaço físico. “Infelizmente, não existe como colocar isso numa planilha”, diz Valle. “Por isso a conversa com os fundadores é o mais importante. Já desistimos de fazer negócios por achar que nossos objetivos não eram os mesmos.”

Não existem garantias de sucesso. Por vezes há fatos que só se mostram depois de fechado o contrato e iniciado o trabalho. No caso do Magalu, que intensificou sua jornada de aquisições há cerca de três anos, uma das estratégias tem sido primeiro firmar um contrato de fornecimento

com o parceiro. Foi o que aconteceu no caso da Sode, startup de entregas ultrarrápidas criada em 2015, no polo de inovação Porto Digital, em Recife. A empresa usa um algoritmo para distribuir o trabalho entre seus cerca de mil motoqueiros e assim reduzir drasticamente o tempo das viagens, que, segundo a empresa, pode levar apenas uma hora. Antes de ser comprada em julho, por um valor não revelado, a startup já era prestadora de serviços da varejista. O movimento é recente no Brasil, mas existem inúmeras histórias de M&A que acabaram da pior maneira possível. Em 2014, o Google comprou a Nest, na época uma fabricante de termostatos inteligentes, por US$ 3,2 bilhões. Além do produto, a empresa estava interessada em Tony Fadell, fundador da Nest e um dos criadores do ipod. Menos de dois anos depois de fechado o negócio, ele deixou o Google, supostamente por perder a liberdade para criar e sob pressão para entregar resultados financeiros. Desiludido com a experiência, Fadell hoje comanda o fundo de capital de risco Future Shape – onde voltou a conviver com startups que estão dando os primeiros passos.

AQUISIÇÃO OU

INVESTIMENTO DE RISCO NÃO SÃO CAMINHOS EXCLUDENTES, PELO CONTRÁRIO

AQU IS IÇÕES SET 2021

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2021-09-01T07:00:00.0000000Z

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https://epocanegocios.pressreader.com/article/282136409513406

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