Epoca Negocios

Entrevista

EM MEIO A UMA DAS MAIORES ONDAS DE INVESTIMENTO DE CAPITAL DE RISCO DA HISTÓRIA, CARLOS KOKRON FALA SOBRE A LÓGICA DA UNIÃO ENTRE GRANDES EMPRESAS E STARTUPS E OS OBSTÁCULOS NO CAMINHO

SÉRGIO TEIXEIRA JR.

Carlos Kokron, da Qualcomm Ventures, detalha a lógica da união de grandes empresas e startups

OBRASILEIRO Carlos Kokron está à frente do principal mercado de investimento de um dos fundos corporativos de capital de risco mais poderosos e tradicionais do mundo. Responsável pelas Américas da Qualcomm Ventures, fundo ligado à empresa americana de infraestrutura de telecomunicações, ele responde ao líder global de investimentos Quinn Li. Criado em 2000, o fundo já investiu mais de US$ 1,5 bilhão em 360 empresas. Nesse período, já fez 18 saídas – como são chamadas as vendas das participações – no valor de US$ 1 bilhão ou mais. Entre as empresas investidas, há brasileiras como a plataforma de venda de imóveis Quinto Andar e o serviço de entrega Loggi – ambos unicórnios.

Engenheiro químico com MBA pela Universidade Berkeley, ele é também o decano do venture capital cor

ÉPOCA NEGÓCIOS Você é o desbravador do venture capital corporativo no Brasil. Como começou essa jornada, mais de 20 anos atrás?

CARLOS KOKRON O começo não foi muito simples. Era tudo muito novo, os empreendedores não tinham tanta experiência e também estávamos aprendendo algumas particularidades de fazer negócio no país. Mas isso mudou. Não tem comparação. Todo o ecossistema, dos empreendedores aos investidores, evoluiu muito.

E o corporate venture capital também virou uma coisa muito real de lá para cá. Em 2012 ou 2013, ele respondia por 11% do dinheiro, hoje está em 28%. No ano passado, a indústria global de investimento corporativo de risco moporativo no Brasil. Em 1999, quando startups e investimento de risco ainda eram novidades no país, ele abriu um escritório da Intel Capital em São Paulo. O fundo, um dos maiores CVCS do mundo, estava à frente do seu tempo, pelo menos para a realidade brasileira. Hoje Kokron enxerga um cenário muito diferente. “Não tem comparação”, diz ele. “Todo o ecossistema, dos empreendedores aos investidores, evoluiu muito.”

A especialidade de Kokron são os investimentos estratégicos. Ele diz conversar pelo menos uma vez por mês com empresários brasileiros interessados em abrir um fundo de capital de risco. A mensagem para eles pode ser resumida em dois pontos. Em primeiro lugar, aprender as peculiaridades desse tipo de investimento. Depois, caso decida trilhar esse caminho de inovação, ser ágil. “O dinheiro hoje é abundante no mundo inteiro”, afirma Kokron. “Os bons negócios fecham muito rápido.” Ele conversou com Época NEGÓCIOS de sua casa, em San Diego, na Costa Oeste dos Estados Unidos. Veja abaixo os principais trechos da conversa. vimentou US$ 74 bilhões, e já superamos isso no primeiro semestre deste.

A explicação é simples: a tecnologia está transformando tudo. Todo mundo quer estar perto de novas ideias, quer entender qual impacto elas terão, como alavancar inovação dentro das empresas. O corporate venture capital é uma forma de “terceirizar” pesquisa e desenvolvimento.

Negócios investimento corporativo em startups era reduto das empresas de tecnologia, mas hoje companhias como United Airlines e Volkswagen têm seus fundos. Por quê?

KOKRON TODOS os negócios estão sofrendo rupturas tecnológicas. A [companhia aérea americana] Jetblue tem a Jetblue Ventures. Eles vão olhar desde empresas que façam manutenção melhor e mais barata nos aviões até combustíveis alternativos. No nosso caso é a mesma história. Somos um grande player na área de computação e comunicações. Somos a força por trás do 3G, 4G e 5G. Com cada uma dessas tecnologias surgiram novos casos de uso.

Gostamos de dizer que, sem as redes de quarta geração, não existiria o Uber, por exemplo. A união dos smartphones com seus sensores e as redes celulares foi o que permitiu a criação desse serviço e desse novo modelo de negócio. O investimento corporativo aumenta o mercado em que atuamos, trazendo novos casos de uso.

“É UMA MARATONA. TALVEZ AS PRIMEIRAS EMPRESAS NÃO DEEM CERTO. NÃO SE PODE JOGAR A TOALHA”

NEGÓCIOS O que diferencia um investidor corporativo do investidor de capital de risco tradicional?

KOKRONEM primeiro lugar, somos todos investidores. Nos dois casos, queremos empresas que cresçam rápido, sejam escaláveis e nos deem um bom retorno. A diferença é que o venture capital tradicional tem a missão única de fazer dinheiro. O investidor limita a sua área de atuação às startups que deem retorno positivo no nosso ecossistema. O corporate venture capital sempre tem relação estratégica com a empresa-mãe, sem perder de vista o retorno financeiro.

NEGÓCIOS Como você definiria um investimento estratégico?

KOKRON EXISTEM algumas maneiras diferentes de responder essa pergunta. Ele pode ter o objetivo de aumentar o mercado em que atua a empresa-mãe, criando demanda. Foi o que a Intel fez com servidores, por exemplo. Outra possibilidade é preencher eventuais lacunas no seu negócio. Você pode fazer parceria com as startups em que investe, ampliando sua oferta de serviços, ou então licenciar uma tecnologia específica.

Às vezes você aposta em tecnologias que podem ser relevantes daqui a alguns anos. Em 2005, apostamos numa empresa chamada Invensense, que foi a primeira a produzir acelerômetros. Na época, eles eram usados no controle do Wii, um videogame da Nintendo. Olhamos para aquilo e pensamos: “Um dia isso estará nos smartphones”. E foi o que aconteceu. Hoje todo smartphone tem um acelerômetro.

Um outro ponto importante é saber o que existe de novidade, entender melhor novas tendências. Investir para saber qual é o possível impacto que determinada inovação pode ter no meu negócio. É uma maneira de aprender.

NEGÓCIOS Qual é o nível de independência para decidir onde investir?

KOKRON Sabemos quais são as dores de cada área de negócio e conhecemos a estratégia da empresa, então sabemos identificar as oportunidades mais relevantes. Em geral, o trabalho mais próximo é na hora de encontrar maneiras de ajudar as startups.

Esse é um dos diferenciais do investimento de risco corporativo. Dinheiro muitos têm. Nós oferecemos algo diferente, que o capital de risco puro não pode oferecer. No caso da Qualcomm, abrimos portas de operadoras, de fabricantes de equipamentos. Apresentamos tecnologias que podem ter custo mais baixo e ser mais eficientes. São diferenciais importantes.

NEGÓCIOS COMO avaliar a contribuição não financeira dos aportes?

KOKRONA resposta curta: não é simples. Temos um método para documentar as áreas de colaboração com as startups do nosso portfólio, revisamos trimestralmente as metas com cada uma delas e planejamos os próximos passos. Diria que, em 10% ou 20% dos casos, efetivamente fazemos negócios com as startups. Em outros, fazemos a ponte com fornecedores, clientes, ajudando no networking e no recrutamento. Tudo isso se traduz em ajudar na evolução da empresa.

NEGÓCIOS Quais conselhos você daria para empresas que estão pensando em abrir seus próprios fundos?

KOKRON Pelo menos uma vez por mês me ligam perguntando isso (risos). Em primeiro lugar, existem alternativas além de mergulhar de cabeça. Uma das formas é entrando como cotista de algum fundo. Você tem a oportunidade de aprender observando o trabalho dos gestores. Como se constrói um pipeline de startups, como se analisam as oportunidades de investimento, como se faz avaliação. Isso tem muito valor.

Se decidir entrar em capital de risco dentro de uma grande empresa, tem de aceitar as regras do jogo. O fundo precisa de independência. No nosso caso, ninguém vai dizer: “Você não pode investir aqui”. Ou ajuda ou sai da frente. Também não dá para viver no ritmo de uma empresa grande, demorar dois meses para analisar uma ideia. O dinheiro hoje é abundante no mundo inteiro. Os bons negócios fecham muito rápido. Se você não for ágil, pode atrapalhar o empreendedor ou perder oportunidades.

Outro ponto importante é não prejudicar as startups. Elas podem fazer negócio conosco e virar nossas clientes, mas isso não é obrigatório. Empresa boa quer vender para todo mundo. Também não pedimos nenhum tipo de condição especial nas negociações. Isso é limitar o potencial da startup.

Finalmente, é preciso saber que é uma maratona. Talvez as primeiras duas ou três empresas não deem certo. Não se pode jogar a toalha. É preciso construir um portfólio e aceitar os altos e baixos.

“O FUNDO PRECISA DE INDEPENDÊNCIA. NO NOSSO CASO, NINGUÉM VAI DIZER:

‘VOCÊ NÃO PODE INVESTIR AQUI’”

SUMÁRIO

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2021-09-01T07:00:00.0000000Z

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https://epocanegocios.pressreader.com/article/282127819578814

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