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ESG

MUDANÇAS INCREMENTAIS IMPORTAM, MAS NÃO VÃO RESOLVER OS GRANDES PROBLEMAS ATUAIS. DÊ ESPAÇO AOS TRANSGRESSORES E AOS RADICAIS

Por que melhorias incrementais não bastam para resolver a crise climática

OS CIENTISTAS do clima da ONU acionaram mais uma vez a luz vermelha. Lançado em agosto, um novo estudo revela que se não houver uma redução drástica nas emissões de gases de efeito estufa, zerando as de carbono, ultrapassaremos a marca de aumento médio da temperatura global em 1,5 ºc nos próximos 20 anos – e este é o limite considerado tolerável pelo Acordo de Paris (2015). Manter sob controle o aquecimento global exige, entre outras medidas, uma reforma no modo de pensar e fazer negócios. Requer, na ponta, inovação em produtos, processos e modelos com menor impacto ao planeta.

Para revisitar esse tema, recorro a dois pensadores clássicos. Suas ideias, aliás, nunca estiveram tão vivas como nesses tempos de ESG. Um é C.K Prahalad. Meses antes de morrer, em abril de 2010, o autor de A Riqueza na Base da Pirâmide escreveu um célebre artigo para a Harvard Business Review em que apresentou uma correlação entre sustentabilidade e inovação, até então ignorada na academia. “Empresas inteligentes tratam a sustentabilidade como uma nova fronteira da inovação”, sinalizou.

No artigo, o indiano ensina que as companhias preocupadas em explorar essa “nova fronteira” devem transitar por cinco estágios: 1) identificar oportunidades claras (soluções para desafios socioambientais valorizadas pelos clientes); 2) tornar sustentáveis as cadeias de valor (engajamento de parceiros nos desafios); 3) projetar produtos e serviços mais sustentáveis (que representem um benefício para a empresa, a sociedade e o planeta); 4) conceber novos modelos de negócios (capazes de adicionar valor a produtos e serviços inovadores); e 5) criar “plataformas de próximas práticas”. Sobre essa quinta etapa, defende algo que tenho observado hoje em algumas empresas líderes em ESG: a crescente formação de estruturas internas e a adoção de novas orientações estratégicas, capazes de projetar futuros mais verdes, inclusivos e prósperos, não com base em elementos do passado, mas na construção de propósitos melhores para o mundo.

Peter Madden, professor de Cidades Futuras na Cardiff University, no país de Gales, é outro pensador de sustentabilidade cujas ideias ganharam novo frescor. Diretor da organização britânica Forum for the Future, ele projetou recomendações importantes para empresas interessadas em inovar.

Primeira: todo processo de inovação deve começar com boas perguntas, propositivas e ambiciosas ao ponto de inspirar respostas rápidas e consistentes para questões como redução no uso de água, gestão correta de resíduos, adoção de fontes de energia renovável, conservação de recursos naturais, desigualdades, diversidade e inclusão e, claro, mudanças climáticas. Nunca duvide da força de uma boa pergunta.

Sua segunda dica diz respeito a facilitar as condições para a inovação. A empresa deve dar espaço a colaboradores diversos, transgressores e intra-empreendedores, oferecendo-lhes um ambiente estimulante e um sistema de recompensa compatível com o potencial econômico de suas ideias. Precisa ainda incluir no processo as contribuições de fornecedores, clientes e comunidades (“As melhores soluções de

sustentabilidade costumam vir das bordas”, já disse Peter Senge, autor de A Quinta Disciplina).

A terceira recomendação trata a inovação para a sustentabilidade como um processo estratégico e não como um momento eureka. Antes as inovações dependiam muito de lampejos de empregados brilhantes. Hoje, decorrem, na maioria das vezes, da interação com cientistas, pesquisadores, especialistas, fornecedores e jovens empreendedores em sistema de open innovation.

Madden propõe, como quarta dica, que os inovadores sejam radicais. Concordo integralmente com ele. Enfrentar desafios globais de sustentabilidade, como o de descarbonização da economia, requer respostas com escala. Exige ruptura. Não que as inovações incrementais não sejam importantes. Mas elas costumam ser insuficientes quando passam a demandar investimento cada vez maior para margens de ganhos de melhoria cada vez menores. Conceitos “disruptivos” como desmaterialização (menos uso de materiais e energia em determinados produtos, como os refis, e as soluções digitais), localização (menos energia e emissões, como consequência da proximidade entre quem produz e quem consome produtos) e servicialização (uso de serviços em vez de posse de bens) seguem em alta na agenda de novos empreendedores.

Reduzir em 50% as emissões de GEES até 2030, e eliminá-las até 2050, como pregam os cientistas, consiste hoje num dos grandes desafios da humanidade. Compreensível o sentimento dos que não crêem nessa possibilidade, especialmente num momento em que se tem de lidar com o desmatamento da Amazônia, queimadas gigantescas na Austrália e viagens espaciais feitas por líderes cujas empresas emitem mais do que centenas de países. Prahalad e Madden sugerem um caminho via inovação. Como eles, é preciso crer para ver.

SUMÁRIO

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2021-09-01T07:00:00.0000000Z

2021-09-01T07:00:00.0000000Z

https://epocanegocios.pressreader.com/article/281762747358654

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