Epoca Negocios

PEIXE GRANDE COME PEIXE PEQUENO

Sandra Boccia | Diretora de Redação

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ACARÉ PARADO vira bolsa de madame. Por mais clássica que a peça seja em uma famosa maison, o objetivo é, claro, manter a família Alligatoridae viva. Porém, em tempos de incertezas e mudanças radicais, a luta pela sobrevivência exige novas estratégias. É assim no reino animal e também no reino empresarial.

Temendo virar camisa polo, mesmo que o risco seja baixo e as atinja em um futuro distante, as empresas consolidadas avançaram no tabuleiro do corporate venture, indo além dos tradicionais meetups, programas de aceleração, chamadas de inovação e investimentos nos hubs.

De certa forma, olhando pelo retrovisor da curta história de inovação digital do país, estamos vivendo algo como uma nova onda. A primeira talvez tenha sido o boom de incubadoras, parques tecnológicos, projetos governamentais e de instituições como Sebrae, Softex, Anprotec.

A segunda foram os financiamentos para pequenas empresas que não possuem, tradicionalmente, garantias reais para obter empréstimos. Tenho especial recordação do programa de subvenção econômica Prime, da Finep, que operava de uma forma descentralizada.

Por volta de 2008, muito antes de abraçar o software livre, a Microsoft iniciou a terceira onda com os primeiros programas de apoio às startups, liderados pela então executiva e hoje empreendedora Silvia Valadares. Na sequência, aceleradoras como Startup Farm, do jovem Felipe Matos, Aceleratech – precursora da Ace – Wayra e a internacional 21212 ajudavam a criar as startups mais promissoras do país.

A imperdível efervescência dos meetups do BR Innovators, um clássico dos auditórios da Microsoft, reuniam empreendedores brasileiros, investidores ativos como Rio Bravo, Intel Capital, Monashees, Astella e algumas poucas corporações interessadas no tema. Era esse o projeto da investidora Bedy Yang, antes de ela ingressar na 500 Startups. O governo federal deu o tom em 2012 com o lançamento do Startup Brasil, turbinando as aceleradoras, e o Itaú definitivamente inaugurou uma nova era, consolidando, no Cubo, um laboratório de startups, grandes empresas, fundos e muitos curiosos. Inovabra adicionou a esse caldo as comunidades, e muitos negócios foram fechados até que a pandemia afugentou os visitantes daqueles elevadores lotados, assim como de todos os coworkings que pipocaram pelo país no modelo de negócios inaugurado pelo Wework.

Talvez você tenha feito parte desse preâmbulo (comente nas nossas redes), mas para quem não viveu, acredito que conhecer a história é importante para entender o presente, seja na inovação, seja na política.

Depois de irmos tão longe, houve um medo generalizado de que as startups estariam entre as primeiras vítimas de 2020. Dessa vez, de forma positiva, a realidade é tão diferente da expectativa que me surpreendi com os casos e números que Época NEGÓCIOS apresenta nesta edição: a nova era do venture capital e empreendedorismo digital no Brasil.

É o aprimoramento do modelo adotado pela Accenture, conectando problemas reais de empresas às soluções validadas das startups. Agora, as próprias corporates dispensam intermediários e criam seus fundos de capital de risco corporativo (CVC).

Basicamente, a urgência da transformação digital e o medo de ficar obsoleto movimentou o mercado. Entre zooms e encontros mascarados, o mercado de venture capital tomou fôlego com a entrada definitiva das grandes empresas, que passaram a gerir seus fundos de capital corporativo investindo diretamente nas startups com uma grande variação de teses, apetites e graus de maturidade.

A bocarra do CVC não é um fenômeno brasileiro. O Google lidera o ranking com investimentos maiores que o PIB de alguns países. No primeiro semestre de 2021, quando estávamos na expectativa de tomar a primeira dose

de vacina, Facebook, Amazon, Apple, Google e Microsoft investiram US$ 27 bilhões somente em aquisições.

Camarão que dorme a onda leva. As empresas brasileiras sabem disso. O Magazine Luiza anunciou a aquisição de 21 startups de 2020 até o momento. No carrinho de compras dos Trajanos tem desde fintechs até empresas de games e conteúdo.

Nem só de aquisições vive o CVC. Empresas como EDP e Vivo (por meio da Wayra) são ativas em fazer negócios com startups, podendo evoluir para investimentos e, quem sabe, resultar até em aquisições. A diferença é o foco estratégico na busca por quem traga impacto real.

Colocar startups dentro de casa tem riscos? Muitos. Misturar pessoas que vendem o almoço para pagar o jantar com aquelas que vão almoçar com cartão corporativo ou vale-alimentação significa choque de cultura. Principalmente em indústrias que passam por uma forte disrupção, como a automobilística, na qual os competidores vêm de todos os lados e podem ser pequenas empresas de mobilidade, gigantes da tecnologia e até empreendedores seriais.

Os CVCS das montadoras sabem que em lago de piranha, jacaré nada de costas. E estão participando ativamente dos próximos capítulos daquilo que vai afetar todos nós. A transição de uma matriz energética não renovável para uma renovável, assim como a chegada de veículos autônomos e voadores que vão materializar o cenário dos Jetsons para as futuras gerações.

Fato é que, em todas as indústrias, vale a Lei de Darwin: os organismos mais bem adaptados ao meio têm melhores chances de sobrevivência do que os menos adaptados, deixando um número maior de descendentes. Boa leitura.

EDITORIAL

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2021-09-01T07:00:00.0000000Z

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https://epocanegocios.pressreader.com/article/281599538601406

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